quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A história do lápis

               


A história do lápis

O menino olhava a avó escrevendo uma carta.
A certa altura, perguntou:
- Você está escrevendo uma história que aconteceu conosco?
E por acaso, é uma história sobre mim?
A avó parou a carta, sorriu, e comentou com o neto:
- Estou escrevendo sobre você, é verdade.
Entretanto, mais importante do que as palavras, é o lápis que estou usando.
Gostaria que você fosse como ele, quando crescesse.
O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
- Mas ele é igual a todos os lápis que vi em minha vida!
- Tudo depende do modo como você olha as coisas.
Há cinco qualidades nele que, se você conseguir mantê-las,
será sempre uma pessoa em paz com o mundo. 

"Primeira qualidade:
Você pode fazer grandes coisas,
mas não deve esquecer nunca que existe uma Mão que guia seus passos.
Esta mão nós chamamos de Deus,
e Ele deve sempre conduzi-lo em direção à Sua vontade". 

"Segunda qualidade:
De vez em quando eu preciso parar o que estou escrevendo,
e usar o apontador.
Isso faz com que o lápis sofra um pouco, mas no final,
ele está mais afiado.
Portanto, saiba suportar algumas dores,
porque elas o farão ser uma pessoa melhor." 

"Terceira qualidade:
O lápis sempre permite que usemos uma borracha
para apagar aquilo que estava errado.
Entenda que corrigir uma coisa que fizemos
não é necessariamente algo mau, mas algo importante
para nos manter no caminho da justiça". 

"Quarta qualidade:
O que realmente importa no lápis não é a madeira
ou sua forma exterior, mas o grafite que está dentro.
Portanto, sempre cuide daquilo que acontece dentro de você." 

"Finalmente, a quinta qualidade do lápis:
Ele sempre deixa uma marca.
Da mesma maneira, saiba que tudo que você fizer na vida, 

irá deixar traços, e procure ser consciente de cada ação".           

                                                      Paulo Coelho

Os Três Obreiros

                                                                             




                                                                         Os Três Obreiros


        Três operários preparavam pedras para a construção de um grande templo de oração, onde seria o local de encontro de muitas pessoas que buscam a palavra de Deus.
         Aproximei-me do primeiro obreiro e perguntei-lhe com toda simpatia:
         - O que está fazendo, meu amigo?
         -  Preparo pedras !...– respondeu-me secamente.
         Caminhei  mais um pouco e cheguei até o segundo obreiro e interroguei-o do mesmo modo:
         - O que está fazendo, meu amigo?
         - Trabalho pelo meu salário – foi a resposta.
         Dirigi-me então ao terceiro obreiro e fiz a mesma pergunta com que tinha interpelado os outros dois.
         _ O que está fazendo , meu amigo?
         O operário fitou-me cheio de alegria e respondeu-me com entusiasmo:
         _ Pois não vê? Estou construindo uma igreja! Faço com todo carinho, porque sei que esta obra será importante para muitas pessoas. – respondeu muito entusiasmado.
         Repare meus amigos no modo tão diverso com que cada operário cumpriu seu dever. O primeiro obrigava-se a uma tarefa grosseira. O segundo não visava senão o dinheiro. O terceiro contemplava um ideal com amor.
         Seremos escravos se tivermos a semelhança do primeiro operário, pois  limitaremos a nossa vida à luta diária.
         Entre os ambiciosos ficaremos se contemplarmos somente o lucro imediato de nossos esforços, como o segundo obreiro.
         Felizes seremos,  porém, se pensarmos como o terceiro obreiro, se vivermos  e lutarmos por um ideal para todos.
                                   
                                                 Autor desconhecido

A Floresta em Chamas



                                                                  
       A Floresta em Chamas


    Existia uma floresta linda e bem verdinha, lá moravam vários animais que dependiam das árvores e dos rios para se alimentarem, para construir suas casas, enfim para dar vida a todos eles.
    Os animais viviam alegres, soltos pela floresta, brincando e se espreguiçando de lá pra cá e de cá pra lá. Lá moravam a Dona Onça,  o Senhor Passarinho, o Galo Pintado, a Ovelha Bela, o Elefante Machão, o Porco Espinho e tantos outros.
    Certo dia apareceu pelas bandas de lá, um homem, que cansado de tanto caminhar, resolveu descansar debaixo da macieira.
    Enquanto ele descansava, vejam só quem lá apareceu ?! Dona Cobra Cobreira, maldosa e odiada por todos, que como num encanto acordou o homem e pôs a seduzi-lo com suas maldades. Soprava ao ouvido do homem que aquelas árvores estavam atrapalhando os seus planos. Que se ele botasse fogo nelas, sobraria um belo pasto para que ele pudesse criar seu gado e assim ficar rico, rico, muito rico. 
    Vocês sabem muito bem que quando fala de dinheiro com o homem, ele fica cego e louco. 
    Foi nesse meio tempo que o homem então decidiu: vou botar fogo na floresta e assim a tomarei para mim, e a usarei para ficar rico,  muito rico.
    E assim ele fez, pegou logo um fósforo e se deixando levar pela tentação do mal, colocou fogo na floresta e rapidamente o fogo se alastrou.
    Meus Deus!...Foi um Deus nos acuda!... Era bicho correndo para todo lado, era fogo alastrando por todo canto. A coisa não ficou boa lá na floresta não. A única que ria da desgraça dos outros era a D. Cobra Cobreira, porque sentiu que o homem havia se deixado contaminar pelo mal .
    Enquanto todos corriam apavorados, fugindo do fogo , somente o Senhor Passarinho gritava e voava desesperado  para que apagassem o fogo em vez de fugirem .
     O urso, com cara de medo, olhou para a floresta e quis ajudar, mas, logo a Cobra Cobreira colocou sua língua venenosa pra fora e disse ao urso que se ele ajudasse o fogo apagar, poderia perder sua vida , era melhor fugir para outro lugar , afinal ele era grande e corria muito , poderia se salvar .
    O urso se deixou cair na tentação da Cobra Cobreira , e com a tentação da covardia, abandonou os amigos e fugiu para bem longe .
    O Senhor Passarinho continuava a pedir ajuda para o fogo apagar, que buscassem água para a floresta salvar. Logo, o Senhor Galo quis ajudar, mas a Cobra maldosa, disse ao galo que suas penas poderiam se queimar e assim seria seu fim. Ele vaidoso com sempre, não quis ajudar e saiu numa correria de não mais parar .
    Ainda não satisfeita, Dona Cobra Cobreira , a todos quis influenciar e ouvindo a maldosa , todos se deixaram enganar .
    Uns tinham a tentação da preguiça, outros a tentação do não tô nem ai, outros egoísmo e assim por diante. Até o Senhor Passarinho a maldosa da Cobra Cobreira  quis seduzir dizendo a ele pra não ajudar, afinal ninguém se importava e porque ele estaria arriscando sua vida para outras salvar? De que vale isso?!
    Mas, o Senhor Passarinho então decidiu , mesmo não sendo grande e podendo usar apenas de seu biquinho e de suas asinhas , se colocou em ação , ia até o rio, enchia seu biquinho de água e jogava toda água que ele conseguia carregar no fogo da floresta , ia ao rio e voltava , ia ao rio e voltava . Enquanto os bichos corriam ,iam percebendo a ação do Senhor Passarinho, foi quando Dona Onça virou -se para o passarinho e disse :

_ Que isso ,compadre?! Você pretende apagar todo o fogo da floresta com esse seu minúsculo biquinho?

Ele, então, cansado, voando  de lá pra cá se virou e disse:

    _ Sei que ele é pequeno e pode até não apagar o fogo da floresta , mas eu estou fazendo a minha parte .
    Foi nesse instante, crianças , que Dona Onça abriu seus olhos e chamou a todos para que juntos pudessem salvar a floresta , os rios e a vida deles próprios . Pediu que cada um fizesse a sua parte e que o fogo da floresta apagasse. Dona Cobra Cobreira ficou louca de raiva e vendo que o bem estava por perto, fugiu brava para o meio do mato quente...
    Todos os bichos então, armados de  baldinhos, unidos sobre o comando do Rei Leão, conseguiram o fogo da mata apagar, livraram a natureza da destruição e agora estão replantado tudo que se queimou, ajudando a natureza a se recuperar do grande estrago causado pela tentação do mal. A floresta está se recuperando aos poucos, mas o bonito foi que eles, agora, estão mais preparados para não se deixarem cair na tentação do mal e na busca da paz conseguirão vencer o mal .
    E nós,crianças, também temos feito à nossa parte contribuindo para que nenhuma tentação interfira na nossa paz ? Cuidando bem do nosso coração, ou estamos deixando que o mal nos seduza para que tudo seja destruído? Como temos cuidado de tudo que nos cerca , principalmente da natureza ?
Autor desconhecido 


Texto enviado por Marta França para Professores Solidários.

A Descoberta de Uma Criança

                       



                   A Descoberta de Uma Criança  
Era     vez um menininho bastante pequeno, que contrastava com a escola bastante grande.
Uma manhã, a professora disse: Hoje nós iremos fazer um desenho. "Que bom!"- pensou o menininho. Ele gostava de desenhar leões, tigres, galinhas, vacas, trens e barcos.
Pegou a sua caixa de lápis de cor e começou a desenhar.
A professora então disse: Esperem, ainda não é hora de começar!
Ela esperou até que todos estivessem prontos.
Agora, disse a professora, nós iremos desenhar flores.
E o menininho começou a desenhar bonitas flores.
Com seus lápis rosa, laranja e azul. A professora disse: Esperem! Vou mostrar como fazer. E a flor era vermelha com caule verde. Assim, disse a professora, agora vocês podem começar.
O menininho olhou para a flor da professora E depois olhou para sua flor.
Gostou mais da sua flor, mas não podia dizer isso.
Virou o papel e desenhou uma flor igual a da professora. Era vermelha com caule verde.
Num outro dia, quando o menininho estava em aula ao ar livre,
A professora disse:
Hoje iremos fazer alguma coisa com o barro. "Que bom"!!!, pensou o menininho.
Ele gostava de trabalhar com barro.
Podia fazer com ele todos os tipos de coisas: elefantes, camundongos, carros e caminhões.
Começou a juntar e amassar a sua bola de barro.
Então, a professora disse:
Esperem, não é hora de começar!
Ela esperou até que todos estivessem prontos.
Agora, disse ela, nós iremos fazer um prato.
Ele gostava de fazer pratos de todas as formas e tamanhos.
A professora disse: - Esperem! Vou mostrar como se faz. Assim, agora vocês podem começar.
E o prato era um prato fundo.
O menininho olhou para o prato da professora e depois par a seu próprio prato. Gostou mais do seu, mas não poderia dizer isso.
Amassou seu barro numa grande bola novamente e fez um prato fundo, igual ao da professora.
E muito cedo o menininho aprendeu a esperar e a olhar e fazer as coisas exatamente como a professora.
E muito cedo ele não fazia coisas por si próprio.
Então aconteceu que o menininho teve que mudar de escola.
Era uma escola ainda maior que a primeira.
Um dia a professora disse: Hoje vamos fazer um desenho.
"Que bom!"- pensou o menininho, Esperando que a professora dissesse o que fazer.
Ela não disse, apenas andava pela sala. Então veio até o menininho e disse: Você não quer desenhar? Sim, e o que nós vamos fazer? Eu não sei até que você o faça. Como eu posso fazê-lo? Da maneira que você gostar! E de que cor?
Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas cores, como eu posso saber o que cada um gosta de desenhar?
Eu não sei...
Então o menininho começou a desenhar uma flor vermelha com caule verde...
Helen Buckley

Tradução do texto: Regina Gregório

A Cerca

                     


                            A CERCA
O menino Alexandre era muito bravo e mal-humorado, gritava com os outros, xingava e falava mal das pessoas. Seu pai deu-lhe então uma bolsa de pregos e disse que cada vez que gritasse com alguém, xingasse uma pessoa ou falasse mal de alguém, que martelasse um prego na cerca.
No primeiro dia, o menino pregou 37 pregos. No segundo, 30 e assim por diante, diminuindo o número a cada dia. Ele descobriu que era mais sensato controlar o seu temperamento explosivo do que ir até o fundo do quintal para martelar a cerca. Até que um dia ele não perdeu a razão nenhuma vez. Não maltratou, não brigou, não xingou, não falou mal de alguém. Enfim, foi um bom menino.
Quando disse que havia mudado de comportamento, seu pai então  disse a ele que a cada dia que pensasse em perder o controle, mas conseguisse segurar o controle e não fazer nada de errado, que ele fosse até a cerca e tirasse um dos pregos cravados na cerca. Até o dia em que ele não perdeu a razão nenhuma vez.
Os dias passaram e o Alexandre disse finalmente a seu pai que não havia mais pregos na cerca. Seu pai levou-o até lá e disse:
- “Muito bem, mas veja esses furinhos todos que ficaram aqui. A cerca nunca mais será a mesma. Quando magoamos uma pessoa, dizemos palavras que deixam cicatrizes. Por mais desculpas que peçamos, a cicatriz continuará lá. Não ofenda as pessoas, pois isto poderá deixar marcas para sempre...”


                                                                          Autor Desconhecido.
Postado por Prof.ª Helena 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

TENTAÇÃO


                                     
   

                                                 TENTAÇÃO


   Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
   Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
   Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
   Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
   A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

 Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
   Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
   Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
   No meio de tanta 
vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
   Mas ambos eram comprometidos.
   Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
   A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.

   Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás
__________________

Conto extraído de LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

CASO DE CANÁRIO




                            CASO DE CANÁRIO
         Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:
          – Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.
          – Mas eu também tenho coração, ora essa.Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?
         – Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom, vá.
         O sogro, a sogra apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
– Vai, meu bem.
         Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.
         – Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
          Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vitima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.
          E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
          Chegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.
         No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo.           – Ui!
Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?
– Ele estava precisando mesmo era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.

CASO DE CANÁRIO
         Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:
          – Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.
          – Mas eu também tenho coração, ora essa. Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?          – Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom, vá.
         O sogro, as sogras apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
– Vai, meu bem.          Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.
         – Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
          Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vitima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.
          E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
          Chegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.
         No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo. – Ui!
Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?

– Ele estava precisando mesmo era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.

A princesa e a ervilha




A princesa e a ervilha

Era uma vez um príncipe que queria se casar com uma princesa, mas uma princesa de verdade, de sangue real mesmo. Viajou pelo mundo inteiro, à procura da princesa dos seus sonhos, mas todas as que encontravam tinham algum defeito. Não é que faltassem princesas, não: havia de sobra, mas a dificuldade era saber se realmente eram de sangue real.
E o príncipe retornou ao seu castelo muito triste e desiludido, pois queria muito casar com uma princesa de verdade.
Uma noite desabou uma tempestade medonha. Chovia desabaladamente, com trovoadas, raios, relâmpagos. Um espetáculo tremendo! De repente bateram à porta do castelo estavam ocupados enxugando as salas cujas janelas foram abertas pela tempestade e o rei em pessoa foi atender.
Era uma moça, que dizia ser uma princesa. Mas estava encharcada de tal maneira, os cabelos escorrendo, as roupas grudadas ao corpo, os sapatos quase desmanchando... que era difícil acreditar que fosse realmente uma princesa real.
A moça tanto afirmou que era uma princesa que a rainha pensou numa forma de provar se o que ela dizia era verdade. Ordenou que sua criada de confiança empilhasse vinte colchões no quarto de hóspedes e colocou sob eles uma ervilha.  Aquela seria a cama da “princesa”.
A moça estranhou a altura da cama, mas conseguiu, com a ajuda de uma escada, se deitar.
No dia seguinte, a rainha perguntou como ela havia dormido. Oh! Não consegui dormir respondeu a moça havia algo duro na minha cama, e me deixou até manchas roxas no corpo!
O rei, a rainha e o príncipe se olharam com surpresa. A moça era realmente uma princesa! Só mesmo uma princesa verdadeira teria pele tão sensível para sentir um grão de ervilha sob vinte colchões!!!
O príncipe casou com a princesa, feliz da vida, e a ervilha foi enviada para um museu, e ainda deve estar por lá...
Acredite se quiser, mas esta história realmente aconteceu!

(Adaptado do conto de Hans Christian Andersen)

NO DIA EM QUE O GATO FALOU

NO DIA EM QUE O GATO FALOU
(Millôr Fernandes)
          Era uma vez uma dama gentil e senil que tinha um gato siamês. Gato de raça, de bom-tom, de filiação, de ânimo cristão. Lindo gato, gato terno, amigo, pertencente a uma classe quase extinta de antigos deuses egípcios. Este gato só faltava falar.  Manso e inteligente, seu olhar era humano. Mas falar não falava. E sua dona, triste, todo dia passava uma ou duas horas, repetindo sílabas e palavras para ele na esperança de que um dia aquela inteligência que via em seu olhar explodisse em sons compreensivos e claros. Mas, nada!
              A dama gentil e senil era, naturalmente, incapaz de compreender  o fenômeno. Tanto mais que ali mesmo à sua frente, preso a um poleiro de ferro, estava um outro ser, também animal, inferior até ao gato, pois era somente uma pobre ave, mas que falava! Falava mesmo, muito mais do que devia. Um papagaio, que falava pelas tripas do Judas. Curiosa natureza, pensava a mulher, que fazia um gato quase humano, sem fala, e um papagaio cretino mas parlapatão. E quanto mais meditava mais tempo gastava com o gato no colo, tentando métodos, repetindo silabas, redobrando cuidados para ver se conseguia que seu miado virasse fala.
          Exatamente no dia 16 de maio de 1958 foi que teve a ideia genial. Quando a ideia iluminou seu cérebro, veio acompanhada da critica, auto-crítica: “Mas, como não me ocorreu isso antes?” O papagaio viu no brilho do olhar da dona o seu (dele) terrível destino e tentou escapar, mas estava preso.Foi morto, depenado e cozinhado em menos de uma hora. Pois o raciocínio da mulher era lógico e científico: se 25.      desse ao gato o papagaio como alimentação, não era evidente que o     gato começaria a falar? Era? Não era? Veria. O gato, a princípio, não quis comer o companheiro. Temendo ver fracassado o seu experimento científico, a dama gentil e senil procurou forçá-lo. Não conseguindo que o gato comesse o papagaio, bateu-lhe mesmo – horror! – pela primeira vez. Mas o gato se recusou. Duas horas depois, porém, vencido pela fome, aproximou-se do prato e engoliu o papagaio todo. Imediatamente subiu-lhe uma ânsia do estômago, ele olhou para a dona e, enquanto esta chorava de alegria, começou a gritar (num tom meio currupaco, meio miau-miau-miau, mas perfeitamente compreensível):
– Madame, foge pelo amor de Deus! Foge, madame, que o prédio vai cair!
A mulher, tremendo de emoção e alegria, chorando e rindo, pôs-se a gritar por sua vez.
– Vejam, vejam, meu gatinho fala! Milagre! Fala o meu gatinho!
Mas o gato, fugindo ao seu abraço, saltou para a janela e gritou de novo: – Foge, madame, que o prédio vai cair! Madame, foge! – e pulou para a rua.
Nesse momento, com um estrondo monstruoso, o prédio inteiro veio abaixo, sepultando a dama gentil e senil em meio aos seus  escombros.
O gato, escondido melancolicamente num terreno baldio, ficou vendo o tumulto diante do desastre e comentou apenas, com um gato mais pobre que passava: – Veja só que cretina. Passou a vida inteira para fazer eu falar e no momento em que falei, não me prestou a mínima atenção.

MORAL: O mal do artista é não acreditar na própria criação.

UM CRIME QUASE PERFEITO




UM CRIME QUASE PERFEITO - Robert Arlt

            As alegações dos três irmãos da suicida foram checadas. Não tinham mentido. O mais velho, Juan, permanecera das cinco da tarde até a meia-noite (a senhora Stevens se suicidou entre sete e dez da noite) detido numa delegacia, por sua imprudente participação num acidente de trânsito. O segundo irmão, Esteban, estivera no povoado de Lister desde as seis da tarde daquele dia até as nove do seguinte. Quanto ao terceiro, doutor Pablo, ele não se afastara em nenhum momento do laboratório de análise de leite da Cia. Erpa, mais exatamente do setor de doseamento da gordura.
            O curioso é que, naquele dia, os três irmãos tinham almoçado com a suicida, comemorando seu aniverśario, e ela, por sua vez, em nenhum momento deixara entrever uma intenção funesta. Todos comeram alegremente e, às duas da tarde, os homens se retiraram.
            Suas declarações coincidiram em tudo com as da criada que, desde muitos anos trabalhava para a senhora Stevens. Essa mulher, que não dormia no emprego, às sete da noite foi para casa. A última ordem que recebeu foi a de dizer ao porteiro que trouxesse o jornal da tarde. Às sete e dez o porteiro entregou o jornal à senhora Stevens, e o que fez esta antes de matar-se pode ser presumido logicamente. Revisou os últimos lançamentos da contabilidade doméstica, pois a livreta estava na mesa da copa, com os gastos do dia sublinhados. Serviu-se de uísque com água  e nessa mistura deixou cair, aproximadamente, meio grama de cianureto de potássio. Pôs-se a ler o jornal, depois bebeu o veneno e, ao sentir que ia morrer, levantou-se, para logo tombar no chão atapetado. O jornal foi achado entre seus dedos contraídos.
            Tal foi a primeira hipótese, construída a partir de um conjunto de coisas pacificamente ordenadas no interior da residência, mas esse suicídio estava carregado de absurdos psicológicos e não queríamos aceitá-lo. No entanto, só a senhora Stevens podia ter posto o veneno no copo. O uísque da garrafa não continha veneno. A água misturada também era pura. O veneno, claro, podia estar no fundo ou nas paredes do copo, mas esse copo tinha sido retirado de uma prateleira onde havia uma dúzia de outros iguais: o eventual assassino não havia de saber qual copo a senhora Stevens escolheria. De resto, o laboratório da polícia nos informou que nenhum copo tinha veneno em suas paredes.
            A investigação não era fácil. As primeiras provas – provas mecânicas, como eu as chamava – sugeriam que a viúva morrera por suas próprias mãos, mas a evidência de que, ao ser surpreendida pela morte, estava distraída na leitura do jornal, tornava disparatada a ideia de suicídio.


            Essa era a situação quando fui desligado por meus superiores para continuar a investigação. A informação de nosso laboratório era categórica: havia veneno no copo que a senhora Stevens usara, mas a água e o uísque da garrafa eram inofensivos. O depoimento do porteiro era igualmente seguro: ninguém visitara a senhora Stevens depois que lhe entregara o jornal. Se após as diligências iniciais eu tivesse concluído o inquérito optando pelo suicídio, meus superiores nada teriam objetado. Porém, concluir o inquérito  nesses termos era  a confissão de um fracasso. A senhora Stevens tinha sido assassinada e havia certo indício: onde estava o envoltório do veneno? Por mais que revistássemos a casa, não encontramos a caixa, o envelope ou o frasco do tóxico. Aquilo era eloquente.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

LIÇÕES PARA A VIDA



Primeira importante lição: 

Durante o segundo mês na escola de enfermagem, o professor apresentou um
questionário.
Ele era bom aluno e respondeu rápido todas as questões até chegar a última
que era:
"Qual o primeiro nome da mulher que faz a limpeza da escola?"
Sinceramente, isso parecia uma piada. Ele já tinha visto a tal mulher várias
vezes. Ela era alta, cabelo escuro, lá pelos seus 50 anos, mas como ia saber
o primeiro nome dela?
Entregou o teste deixando essa questão em branco e um pouco antes da aula
terminar, um outro aluno perguntou se a última pergunta do teste ia contar
na nota.
-"É claro", respondeu o professor. Na sua carreira, você encontrará muitas
pessoas. Todas têm seu grau de importância. Elas merecem sua atenção mesmo que seja com um simples sorriso ou um simples "oi".
Ele nunca mais esqueceu essa lição e também acabou aprendendo
que o primeiro nome dela era Dorothy.

Segunda lição importante:

Numa noite chuvosa, uma senhora americana, negra estava do lado de uma
estrada no estado do Alabama enfrentando um tremendo temporal.
O carro dela tinha enguiçado e ela precisava desesperadamente de uma carona.
Completamente molhada, ela começou a acenar para os carros que passavam.
Um jovem branco, parecendo que não tinha conhecimento dos acontecimentos e
conflitos dos anos 60, parou para ajudá-la.
O rapaz a colocou em um lugar protegido, procurou ajuda mecânica e chamou um
táxi para ela.
Ela parecia estar realmente com muita pressa mas conseguiu anotar o endereço
dele para agradecê-lo.
Sete dias se passaram quando bateram à porta da casa do rapaz. Para a surpresa dele, uma enorme TV colorida com o console e tudo estava sendo entregue na casa dele com um bilhete junto que dizia:
"Muito obrigada por me ajudar na estrada naquela noite. A chuva não só tinha
encharcado minhas roupas como também meu espírito. Aí, você apareceu. Por sua causa eu consegui chegar ao leito de morte do meu marido antes que ele falecesse. Deus o abençoe por ter me ajudado.
Sinceramente, Sra. Nat King Cole"

Terceira importante lição: 

Sempre se lembre daqueles que te serviram
Numa época em que um sorvete custava muito menos do que hoje, um menino de 10 anos entrou na lanchonete de um hotel e sentou em uma mesa.
Uma garçonete colocou um copo de água na frente dele.
-"Quanto custa um sundae?" perguntou ele.
-"50 centavos" - respondeu a garçonete.
O menino puxou as moedas do bolso e começou a contá-las.
- "Bem, quanto custa o sorvete simples?" ele perguntou.
A essa altura, mais pessoas estavam esperando por uma mesa e a garçonete
perdendo a paciência.
-"35 centavos" - respondeu ela, de maneira brusca.
O menino, mais uma vez, contou as moedas e disse: "eu vou querer, então, o
sorvete simples".
A garçonete trouxe o sorvete simples, a conta, colocou na mesa e saiu.
O menino acabou o sorvete, pagou a conta no caixa e saiu.
Quando a garçonete voltou, começou a chorar a medida que ia limpando a mesa,
pois ali, do lado do prato, tinham 15 centavos em moedas, ou seja, veja bem, o menino não pediu o sundae porque ele queria que sobrasse a gorjeta da garçonete.

Quarta importante lição:

O obstáculo no nosso caminho ...
Há muitos anos atrás, um rei colocou uma pedra enorme no meio de uma estrada
e ficou escondido observando para ver se alguém tiraria a imensa rocha do caminho.
Alguns mercadores e homens muito ricos do reino passaram por ali e simplesmente deram a volta pela pedra. Alguns até esbravejaram contra o rei dizendo que ele não mantinha as estradas limpas, mas nenhum deles tentou sequer mover a pedra dali.
De repente, passa um camponês com uma boa carga de vegetais.
Ao se aproximar da imensa rocha, ele pôs de lado a sua carga e tentou remover a rocha dali.
Após muita força e suor, ele finalmente conseguiu mover a pedra para o lado
da estrada. Ele então voltou a pegar sua carga de vegetais, mas notou que
havia uma bolsa no local onde estava a pedra. A bolsa continha muitas moedas
de ouro e uma nota escrita pelo rei que dizia que o ouro era para a pessoa que tivesse removido a pedra do caminho.
O camponês aprendeu o que muitos de nós nunca entendemos:
"Todo obstáculo contém uma oportunidade para melhorarmos nossa condição".

Quinta importante lição: 

Há muitos anos atrás, quando eu trabalhava como voluntário em um hospital,
eu vim a conhecer uma menininha chamada Liz que sofria de uma terrível e
rara doença.
A única chance de recuperação para ela parecia ser através de uma transfusão de sangue do irmão mais velho dela de apenas 5 anos que, milagrosamente tinha sobrevivido à mesma doença e parecia ter, então, desenvolvido anticorpos necessários para combatê-la.
O médico explicou toda a situação para o menino e perguntou, se ele aceitava
doar o sangue dele para a irmã.
Eu vi ele hesitar um pouco, mas depois de uma profunda respiração, ele disse:
"Tá certo, eu topo já que é para salvá-la".
A medida que a transfusão foi progredindo, ele estava deitado na cama ao lado
da cama da irmã e sorria, assim como nós também, ao ver as bochechas dela voltarem a ter cor.
De repente, o sorriso dele desapareceu e ele empalideceu. Ele olhou para o
médico e perguntou com a voz trémula
-"Eu vou começar a morrer logo, logo?"
Por ser tão pequeno e novo, o menino tinha interpretado mal as palavras do
médico: ele pensou que teria que dar todo o sangue dele para salvar a irmã.
Pois é, compreensão e atitude são tudo.












GAIOLAS E ASAS




Os pensamentos me chegam de forma inesperada, sob a forma de aforismos. Fico feliz porque sei que Lichtenberg, William Blake e Nietzsche frequentemente eram também atacados por eles. Digo “atacados” porque eles surgem repentinamente, sem preparo, com a força de um raio. Aforismos são visões: fazem ver, sem explicar. Pois ontem, de repente, esse aforismo me atacou: “Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-las para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Esse simples aforismo nasceu de um sofrimento: sofri conversando com professoras de segundo grau, em escolas de periferia. O que elas contam são relatos de horror e medo. Balbúrdia, gritaria, desrespeito, ofensas, ameaças… E elas, timidamente, pedindo silêncio, tentando fazer as coisas que a burocracia determina que sejam feitas, como dar o programa, fazer avaliações… Ouvindo os seus relatos, vi uma jaula cheia de tigres famintos, dentes arreganhados, garras à mostra – e a domadoras com seus chicotes, fazendo ameaças fracas demais para a força dos tigres.
Sentir alegria ao sair de casa para ir à escola? Ter prazer em ensinar? Amar os alunos? O sonho é livrar-se de tudo aquilo. Mas não podem. A porta de ferro que fecha os tigres é a mesma porta que as fecha com os tigres.
Nos tempos de minha infância, eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando… O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca e pisava no poleiro. E era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras e enfiava o bico entre os vãos. Na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensanguentado… Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.
Violento, o pássaro que luta contra os arames da gaiola? Ou violenta será a imóvel gaiola que o prende? Violentos, os adolescentes de periferia? Ou serão as escolas que são violentas? As escolas serão gaiolas? Vão me falar sobre a necessidade das escolas dizendo que os adolescentes de periferia precisam ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos, tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: nossas escolas estão dando uma boa educação? O que é uma boa educação?
O que os burocratas pressupõe sem pensar é que os alunos ganham uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação.
Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação? Você sabe o que é “dígrafo”? E os usos da partícula “se”? E o nome das enzimas que entram na digestão? E o sujeito da frase “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante”? Qual a utilidade da palavra “mesóclise”? Pobres professoras, também engaioladas… São obrigadas a ensinar o que os programas mandam, sabendo que é inútil. Isso é hábito velho das escolas. Bruno Bettelheim relata sua experiência com as escolas: “Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido que eu deveria aprender. E aprender à sua maneira”.
O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era “ferramenta” e “brinquedo” do corpo. Nisso se resume o programa educacional do corpo: aprender “ferramentas”, aprender “brinquedos”.
“Ferramentas” são conhecimentos que nos permitem resolver os problemas vitais do dia-a-dia. “Brinquedos” são todas aquelas coisas que, não tendo nenhuma utilidade como ferramentas, dão prazer e alegria à alma.
Nessas duas palavras, ferramentas e brinquedos, está o resumo da educação. Ferramentas e brinquedos não são gaiolas. São asas. Ferramentas me permitem voar pelos caminhos do mundo.
Brinquedos me permitem voar pelos caminhos da alma. Quem está aprendendo ferramentas e brinquedos está aprendendo liberdade, não fica violento. Fica alegre, vendo as asas crescer… Assim todo professor, ao ensinar, teria de se perguntar: “Isso que vou ensinar, é ferramenta? É brinquedo?” Se não for, é melhor deixar de lado.
As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se são gaiolas ou asas. Mas eu sei que há professores que amam o voo dos seus alunos. Há esperança…

Rubem Alves




quinta-feira, 27 de março de 2014

Estranhos Vizinhos

                                     
                       



  Estranhos Vizinhos
Esta história que vou contar aconteceu ao lado da minha casa por volta de seis anos atrás, uma família aparentemente normal mudou-se para a casa do lado direito da minha, o pai era um homem alto, bem magro e com aparência de cansado, mas uma pessoa muito boa, porem, trabalhava muito por isso quase nunca o víamos. A mãe era uma mulher baixa, magra e com cara de quem estava constantemente sofrendo uma terrível dor, mas era muito educada e sempre cumprimentava todos os vizinhos. O estranho da família era o filho deles, um menino bonito, forte de cabelos ondulados loiros, lindos olhos azuis destoavam completamente da aparência dos pais, arrogante nunca cumprimentava os vizinhos e não tinha amigos no colégio, sempre calado quase nunca o vimos do lado de fora da casa.
Na primeira semana que se mudaram já aconteceram coisas estranhas, porem, nós pensávamos que era apenas coisa de menino mimado, ouvíamos berros do garoto dizendo: - MÃE TRAZ LOGO A NOSSA COMIDA! – ESTAMOS COM FOME! - VEM JUNTAR NOSSOS BRINQUEDOS! Este foi o que mais nos intrigava, o menino usava o nós como se ele não fosse à única criança naquela casa, será que eles estavam recebendo parentes? Será que ele estava com amigos? Eu tentava espiar da janela do meu quarto, mas as janelas daquela casa nunca se abriam, só conseguia ver a luz de onde seria o quarto do menino piscar intensamente, fiquei curioso, mas como já era tarde acabei pegando no sono e fiquei sem saber o que estava acontecendo.
Eles tinham um cachorro que parecia ser muito feroz, mas era o único com quem víamos o garoto brincar, ele jogava os brinquedos e o cachorro os abocanhava e sacudia até destroçá-los, e o garoto se divertia com isso, o cachorro dele vivia de olho em meu gato que passeava sempre pela rua. Certo dia estava anoitecendo e eu fui procurar Ralf meu gatinho, para colocá-lo para dentro de casa e dar-lhe de comer, procurei pelo quintal, pela calçada e pela rua, dei a volta no quarteirão e não o encontrei, voltei para casa e ele ainda não estava, mamãe disse para que eu me acalmasse pois ele sempre voltava para casa para jantar e dormir, mas eu fiquei de olho na janela, aquele menino estranho depois de algum tempo apareceu, seguido pelo cachorro e com um saco na mão, ele sorria e parecia muito feliz, foi até a calçada abriu a lata de lixo e depositou o saco. Fiquei muito curioso para saber o que era aquilo, planejei mais tarde ir “curiar” o lixo deles, quando todos em casa já estavam deitados e na casa do vizinho tudo estava apagado sai cuidadosamente e fui até a lixeira deles, eu destampei e peguei o saco, o cheiro forte parecia de algo podre mas, não podia ser pego ali, o que eu iria dizer, levei o saco para a garagem de casa e o abri – HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!! – não consegui segurar o grito, foi um susto, meu gatinho estava lá, morto, mas não estava inteiro, estava todo machucado e faltava a cabeça, em instantes meu pai apareceu correndo na garagem, me viu no chão sujo de sangue, veio rápido em minha direção e eu apontei para o saco. Mais tarde, de madrugada e mais calmo, expliquei o que vi e como peguei o saco, meu pai ouviu atentamente e resolveu que ao amanhecer iria falar com o pai do vizinho.
Da janela de casa eu observava meu pai indo em direção a casa do vizinho, chamou-o e começou a falar, não dava pra ouvir, mas parecia serio, pois o pai do vizinho parecia assustado, recuou e logo entrou, meu pai voltou para casa intrigado relatou que mal contou sobre o gato o vizinho já se tremeu de medo, colocou a culpa no cachorro pediu perdão e entrou. Ao regressar para casa meu pai contou sobre a conversa, fiquei muito curioso e desconfiado de que havia algo errado naquela casa, não queria acreditar que o cachorro fez aquilo com meu gato, passei os dias à espreita, mas a casa parecia vazia, passou-se a terça-feira, a quarta, a quinta, e a sexta e finalmente chegou o sábado. Pela manha observei a chegada de um menino, aparentava ter por volta de uns 12 anos, mas era bem mirado para a idade, trazia consigo um lindo gato preto, estranhei ele chegar com um gato na casa onde o cachorro já havia matado o meu, mas não fiquei olhando, percebi que durante o dia eles saiam e voltavam com algumas coisas, fui ficando mais curioso conforme passava as horas e ao cair da tarde não aguentei, olhei no quintal e ninguém estava lá e nem sinal do cachorro, pulei a cerca e circulei a casa, nos fundos havia um pequeno cômodo com uma janela muito suja, era a única parte da casa que havia luz acessa, fui a te a janela para espiar, meu susto foi enorme era um quarto iluminado por velas e estava forrado por objetos de magia negra, havia ossos humanos em um canto, um espelho circular no outro, um tapete vermelho no centro e sobre ele uma mesa com varias coisas, agora sabia o que os garotos passaram o dia trazendo, vários corpos de animais estavam pendurados sangrando em taças, e o gato estava amarrado há um canto, os pais do garoto estavam agachados no canto e para meu espanto os garotos começaram a jogar o sangue das taças sobre os pais e cantar uma musica com palavras que eu nunca havia escutado antes, o gato começou a gritar e tentar escapar das amarras, mas era em vão, o garoto mais novo cortou-se com uma faca e deixou o sangue cair em uma taça vazia entoando um canto diferente em palavras muito estranha, um outro idioma que eu não imaginava qual era, quando para meu espanto meu vizinho degolou o gato preto com uma machadinha e derramou seu sangue na taça do sangue do outro garoto. Aquilo me deixou em choque, mas algo pior estava por vir, o garoto estranho começou a cortar o gato com os mesmos corte que o meu morreu, deram seu sangue para os pais do meu vizinho beber e passavam os pedaços do gato neles, para minha surpresa cada vez que os meninos faziam isso, os pais do meu vizinho pareciam mais fortes e mais novos, que ritual macabro, era um ritual satânico para rejuvenescer, quantos anos será que eles tinham, e aqueles garotos? Nunca irei descobrir depois do que vi corri para casa e procurei ficar o mais longe possível daquela gente e ao terminar aquele ano eles se mudaram para outro lugar.