quinta-feira, 24 de maio de 2012

UM TERROR REAL


                           
Léo, a esposa Nara e a filha Paty foram para Goiânia, para 
as festa de fim de ano visitar a família de Nara, uma viagem
 longa, cansativa.Lá chegando foi uma choradeira só, fazia 
algum tempo que não se viam as irmãs de Nara nem conheciam
 a Paty. Acomodaram-se e lancharam.Depois do descanso da 
viagem Léo comentou com o sogro que tinha parentes que 
residiam naquela região de Goiânia, gostaria muito de
 visitá-los, mas não sabia como ir. Sr. Lucio se prontificou 
em levá-los se fosse da vontade de Léo. Como morava 
a muitos anos em Goiânia conhecia bem a localidade.
Tudo combinado, no domingo logo pela manhã
 saiu Leo, Nara, a filhinha Paty e o Sr. Lucio.
 Por volta das onze horas chegaram ao local.
 Os parentes os  receberam com muita alegria,
 tio José, tia Santina e um casal de primos, 
Sandra e Marcelo.
Sandra era casada, e tinha um filho de três anos. 
Residia na edícula  existente nos fundos da
 casa do tio José. O primo Marcelo 
com vinte e poucos anos solteiro morava com 
os pais. Feitas  as apresentações resolveram
 ficar para o almoço.
Enquanto tia Santina ia preparando o almoço,
 Léo conversava com o tio José animadamente,
 relembrado tempos de infância, contando e 
ouvindo histórias, muitas gargalhadas. Assim
 prosseguia e Léo nem notava que o primo 
Marcelo não  tirava os olhos de Nara, a mesma
 percebeu, retraiu-se e  ficou preocupada.Reunidos 
à mesa, Léo então levanta a taça de vinho convidando
 todos para um brinde. Almoçaram
 em clima de festa, pois era véspera de Natal, 
e há muito Léo não via tios e primos, estava eufórico.
Terminado o almoço, Nara pede licença levanta-se 
e vai até o banheiro. Nota que é tudo muito humilde,
 a casa  ainda em fase de acabamento, o banheiro 
sem forro. Nara abaixa a roupa, senta no vaso sanitário 
pensativa, pois notava algo estranho no primo Marcelo, 
ele não parecia uma pessoa normal, tinha algo que ela
 não conseguia captar. Ele era calado, de olhar estático, 
por isso Nara sentiu um arrepio de medo. 
No momento que Nara usava a ducha para se lavar 
sentiu um  respingo em seu braço. Ao se levantar 
para subir a roupa olha  para cima e para sua surpresa 
 vê Marcelo em cima da parede a espiá-la com o 
membro exposto se masturbando com olhar fixo
 tentando saltar para dentro do banheiro. Nara 
apavorada gritou, mas a voz não saiu. Tremula 
conseguiu abrir a porta e foi até a  sala onde os
 demais se reuniram para um cafezinho pós almoço.
 Tremendo muito se sentou, pegou sua filha Paty e 
não desgrudou dela.Vendo a felicidade de Léo e
 dos tios, decidiu não contar o ocorrido. 
 Passado a tremedeira Nara contou ao seu 
pai Sr. Lucio que com  jeitinho contou para Léo. 
Decidiram não falar nada, pois os tios
 estavam ontentes demais, não iriam estragar 
aquele momento.
Marcelo não apareceu mais. No fim do dia despediram-se e 

foram embora. Voltaram à casa dos pais de Nara perplexos 
com o acontecido. O Sr. Lucio disse que também achou 
Marcelo muito esquisito, não parecia mesmo ser 
 um rapaz normal.
Mas enfim, deixaram esse assunto de lado, e foram todos

 se preparar para a ceia de natal. Sr. Lúcio e dona Narinha,
 muito felizes com os filhos e netos presentes, passaram
 a ceia de Natal com muita festa, união e alegria, um Natal
 inesquecível. Léo não perdeu mais o contato com os
 parentes a partir daquela visita. Ficou sabendo alguns
 meses depois através do tio José, que o primo Marcelo
 havia violentado o sobrinho de três anos, filho de Sandra.
Marcelo ficou preso na penitenciaria por um tempo,

 depois internado para tratamento psiquiátrico,
 após um ano de internação morreu no manicômio.

UM CONTO BASEADO EM FATOS REAIS - 12/09/09


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sábado, 5 de maio de 2012

Braço de Mulher


Subi ao avião com indiferença, e como o dia não estava bonito, lancei apenas um olhar distraído a essa cidade do Rio de Janeiro e mergulhei na leitura de um jornal. Depois fiquei a olhar pela janela e não via mais que nuvens, e feias. Na verdade, não estava no céu: pensava coisas da terra, minhas pobres, pequenas coisas. Uma aborrecida sonolência foi me dominando, até que uma senhora nervosa ao meu lado disse que "nós não podemos descer!". O avião já havia chegado a São Paulo, mas estava fazendo sua ronda dentro de um nevoeiro fechado, à espera de ordem para pousar. Procurei acalmar a senhora.
Ela estava tão aflita que embora fizesse frio se abanava com uma revista. Tentei convencê-la de que não devia se abanar, mas acabei achando que era melhor que o fizesse. Ela precisava fazer alguma coisa, e a única providência que aparentemente podia tomar naquele momento de medo era se abanar. Ofereci-lhe meu jornal dobrado, no lugar da revista, e ficou muito grata, como se acreditasse que, produzindo mais vento, adquirisse maior eficiência na sua luta contra a morte.
Gastei cerca de meia hora com a aflição daquela senhora. Notando que uma sua amiga estava em outra poltrona, ofereci-me para trocar de lugar, e ela aceitou. Mas esperei inutilmente que recolhesse as pernas para que eu pudesse sair de meu lugar junto à janela; acabou confessando que assim mesmo estava bem, e preferia ter um homem - "o senhor" - ao lado. Isto lisonjeou meu orgulho de cavalheiro: senti-me útil e responsável. Era por estar ali eu, um homem que aquele avião não ousava cair. Havia certamente piloto, co-piloto e vários homens no avião. Mas eu era o homem ao lado, o homem visível, próximo, que ela podia tocar. E era nisso que ela confiava: nesse ser de casimira grossa, de gravata, de bigode, a cujo braço acabou se agarrando. Não era o meu braço que apertava, mas um braço de homem, ser de misteriosos atributos de força e proteção.Chamei a aeromoça, que tentou acalmar a senhora com biscoitos, chicles, cafezinho, palavras de conforto, mão no ombro, algodão nos ouvidos, e uma voz suave e firme que às vezes continha uma leve repreensão e às vezes se entremeava de um sorriso que sem dúvida faz parte do regulamento da aeronáutica civil, o chamado sorriso para ocasiões de teto baixo.
Mas de que vale uma aeromoça? Ela não é muito convincente; é uma funcionária. A senhora evidentemente a considerava uma espécie de cúmplice do avião e da empresa e no fundo (pelo ressentimento com que reagia às suas palavras) responsável por aquele nevoeiro perigoso. A moça em uniforme estava sem dúvida lhe escondendo a verdade e dizendo palavras hipócritas para que ela se deixasse matar sem reagir.
A única pessoa de confiança era evidentemente eu: e aquela senhora, que no aeroporto tinha certo ar desdenhoso e solene, disse suas malcriações para a aeromoça e se agarrou definitivamente a mim. Animei-me então a pôr a minha mão direita sobre a sua mão, que me apertava o braço. Esse gesto de carinho protetor teve um efeito completo: ela deu um profundo suspiro de alívio, cerrou os olhos, pendeu a cabeça ligeiramente para o meu lado e ficou imóvel, quieta. Era claro que a minha mão a protegia contra tudo e contra todos, estava como adormecida.
O avião continuava a rodar monotonamente dentro de uma nuvem escura; quando ele dava um salto mais brusco, eu fornecia à pobre senhora uma garantia suplementar apertando ligeiramente a minha mão sobre a sua: isto sem dúvida lhe fazia bem.
Voltei a olhar tristemente pela vidraça; via a asa direita, um pouco levantada, no meio do nevoeiro. Como a senhora não me desse mais trabalho, e o tempo fosse passando, recomecei a pensar em mim mesmo, triste e fraco assunto.
E de repente me veio a idéia de que na verdade não podíamos ficar eternamente com aquele motor roncando no meio do nevoeiro - e de que eu podia morrer.
Estávamos há muito tempo sobre São Paulo. Talvez chovesse lá embaixo; de qualquer modo a grande cidade, invisível e tão próxima, vivia sua vida indiferente àquele ridículo grupo de homens e mulheres presos dentro de um avião, ali no alto. Pensei em São Paulo e no rapaz de vinte anos que chegou com trinta mil-réis no bolso uma noite e saiu andando pelo antigo viaduto do Chá, sem conhecer uma só pessoa na cidade estranha. Nem aquele velho viaduto existe mais, e o aventuroso rapaz de vinte anos, calado e lírico, é um triste senhor que olha o nevoeiro e pensa na morte.
Outras lembranças me vieram, e me ocorreu que na hora da morte, segundo dizem, a gente se lembra de uma porção de coisas antigas, doces ou tristes. Mas a visão monótona daquela asa no meio da nuvem me dava um torpor, e não pensei mais nada. Era como se o mundo atrás daquele nevoeiro não existisse mais, e por isto pouco me importava morrer. Talvez fosse até bom sentir um choque brutal e tudo se acabar. A morte devia ser aquilo mesmo, um nevoeiro imenso, sem cor, sem forma, para sempre.
Senti prazer em pensar que agora não haveria mais nada, que não seria mais preciso sentir, nem reagir, nem providenciar, nem me torturar; que todas as coisas e criaturas que tinham poder sobre mim e mandavam na minha alegria ou na minha aflição haviam-se apagado e dissolvido naquele mundo de nevoeiro.
A senhora sobressaltou-se de repente e muito aflita começou a me fazer perguntas. O avião estava descendo mais e mais e, entretanto, não se conseguia enxergar coisa alguma. O motor parecia estar com um som diferente: podia ser aquele o último e desesperado tredo ronco do minuto antes de morrer arrebentado e retorcido. A senhora estendeu o braço direito, segurando o encosto da poltrona da frente, e então me dei conta de que aquela mulher de cara um pouco magra e dura tinha um belo braço, harmonioso e musculado.
Fiquei a olhá-lo devagar, desde o ombro forte e suave até as mãos de dedos longos. E me veio uma saudade extraordinária da terra, da beleza humana, da empolgante e longa tonteira do amor. Eu não queria mais morrer, e a idéia da morte me pareceu tão errada, tão feia, tão absurda, que me sobressaltei. A morte era uma coisa cinzenta, escura, sem a graça, sem a delicadeza e o calor, a força macia de um braço ou de uma coxa, a suave irradiação da pele de um corpo de mulher moça.
Mãos, cabelos, corpo, músculos, seios, extraordinário milagre de coisas suaves e sensíveis, tépidas, feitas para serem infinitamente amadas. Toda a fascinação da vida me golpeou, uma tão profunda delícia e gosto de viver, uma tão ardente e comovida saudade, que retesei os músculos do corpo, estiquei as pernas, senti um leve ardor nos olhos. Não devia morrer! Aquele meu torpor de segundos atrás pareceu-me de súbito uma coisa doentia, viciosa, e ergui a cabeça, olhei em volta, para os outros passageiros, como se me dispusesse afinal a tomar alguma providência.
Meu gesto pareceu inquietar a senhora. Mas olhando novamente para a vidraça adivinhei casas, um quadrado verde, um pedaço de terra avermelhada, através de um véu de neblina mais rala. Foi uma visão rápida, logo perdida no nevoeiro denso, mas me deu uma certeza profunda de que estávamos salvos porque a terra existia, não era um sonho distante, o mundo não era apenas nevoeiro e havia realmente tudo o que há: casas, árvores, pessoas, chão, o bom chão sólido, imóvel, onde se pode deitar, onde se pode dormir seguro e em todo o sossego, onde um homem pode premer o corpo de uma mulher para amá-la com força, com toda sua fúria de prazer e todos os seus sentidos, com apoio no mundo.
No aeroporto, quando esperava a bagagem, vi de perto a minha vizinha de poltrona. Estava com um senhor de óculos, que, com um talão de despacho na mão, pedia que lhe entregassem a maleta. Ela disse alguma coisa a esse homem, e ele se aproximou de mim com um olhar inquiridor que tentava ser cordial. Estivera muito tempo esperando; a princípio disseram que o avião ia descer logo, era questão de ficar livre a pista; depois alguém anunciara que todos os aviões tinham recebido ordem de pousar em Campinas ou em outro campo; e imaginava quanto incômodo me dera sua senhora, sempre muito nervosa. "Ora, não senhor." Ele se despediu sem me estender a mão, como se, com aqueles agradecimentos, que fora constrangido pelas circunstâncias a fazer, acabasse de cumprir uma formalidade desagradável com relação a um estranho - que devia permanecer um estranho.
Um estranho e de certo ponto de vista um intruso, foi assim que me senti perante aquele homem de cara desagradável. Tive a impressão de que de certo modo o traíra, e de que ele o sentia.
Quando se retiravam, a senhora me deu um pequeno sorriso. Tenho uma tendência romântica a imaginar coisas, e imaginei que ela teve o cuidado de me sorrir quando o homem não podia notá-lo, um sorriso sem o visto marital, vagamente cúmplice. Certamente nunca mais a verei, nem o espero. Mas o seu belo braço foi um instante para mim a própria imagem da vida, e não o esquecerei depressa.

(“Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”)

O Sapo e a Borboleta




Esta é a história de Priscila Buterfly que nasceu e viveu na floresta de Florzi junto ao mar e ao lago verde-musgo.
Não, ela não era bonita quando nasceu. Ela era muito feia. O seu cabelo quebra pente era amarelo e marrom misturado e seus dentes eram muito dentro da boca, fazendo parecer rindo todo tempo. Raposas, coelhos e jacarés tinham medo dela.
Ela vivia pela floresta colhendo lenha para o fogão da mãe. Nunca ninguém brincava com ela, porque ela não tinha tempo. Quando não apanhava lenha, então carregava água ou então cuidava dos irmãos menores.
Não podia ir até o mar, onde a floresta terminava, porque os meninos atiravam pedras nela, então corria para dentro da floresta e se escondia.
Aos treze anos levou um grande susto. Quando olhou para dentro do lago verde-musgo, ela viu um rosto refletido na água. Descobriu que o rosto era o seu. Então ela percebeu que os meninos tinham razão para enxotá-la. E ela foi reclamar com a sua mãe e sua mãe levou-a até o quintal. Olhando bastante para as folhas conseguiu achar uma lagarta. A mãe explicou que aquela lagarta horrível ao sair do casulo seria então uma linda borboleta. E disse para Priscila que ela ficaria tão linda quanto uma borboleta. “Nós podemos ser feios, mas depois ficamos lindos”. Priscila sorriu e se sentiu feliz esperando que o tempo ao passar a fizesse bonita como as outras meninas. Mas ela não olhava mais para dentro do lago verde musgo.
 Um dia ao apanhar lenha na floresta, viu um menino olhando para o lago verde-musgo. Ela quis saber dele, o por quê de olhar tanto para aquele lago. Ao chegar perto do menino, descobriu que ele era um dos quatro que sempre lhe jogava pedras. Então ela correu e se escondeu atrás das árvores. Quando o menino escutou o barulho de folhas se movendo, olhou para trás e conseguiu ver parte do vestido roxo listrado de branco de Priscila. Então ela notou que ele não olhava mais para o lago. Ele olhava sempre para o local em que ela estava escondida. Então não quis mais sair de trás da árvore, porque ele não mais desviava os olhos dali. Mas ela viu que ele estava só e por isso perdeu o medo. Os outros meninos malvados não estavam ali. Mesmo assim ela achou melhor não sair dali.  Mas lembrou que a mãe a esperava com o feixe de lenhas para fazer a janta. Mesmo assim, não conseguia sair dali. "E se os meninos malvados aparecerem?" – pensava ela.
- Priscila! - gritou o menino.
Ela levou um grande susto porque nunca havia ouvido alguém gritar seu nome, exceto sua mãe. O pai ela não conheceu, havia sido morto por um leão.
Priscila Buterfly! - gritou mais uma vez o menino.
Agora o susto foi maior, porque nem mesmo sua mãe gritava seu nome assim. Ele estava agora em pé e de costas para o lago. E ela resolveu aparecer. Gritou:
O que você quer?
Ele levou tempo para responder. Quase um minuto para responder.
Preciso falar com você!
Ela saiu lentamente por detrás das árvores. Neste momento ela leva outro susto. Uma borboleta azul pousa rapidamente em seu nariz. Quando ela levanta as mãos, a borboleta voa e some no meio das árvores. Ela, Priscila, anda bem devagar em direção ao menino, mas pára a cinco metros de distância. E diz:
- O que você quer?
- O que você acha de mim?
– Um sapo!!!
Ele abaixa a cabeça tristemente.
Eu disse um sapo! – grita ela, - tem um atrás de você!
Ele pula para o lado. O sapo se assusta e pula no lago. Ele levanta a cabeça e diz:
– Pensei que o sapo era eu...
- E o que você acha de mim? - pergunta Priscila.
– Muito linda! - diz ele.
– Mentira! Eu não sou linda!- Retruca Priscila.
Ele aponta para a borboleta azul voando atrás dela.
- Tenho de ir, minha mãe me espera com a lenha! – diz ela.
Ele se abaixa para apanhar a lenha e se oferece para levar. Carrega a lenha no ombro pela trilha da floresta. Enquanto andam pela floresta, ele a convida.
–Vamos ao mar?
– Sou muito nova para amar!
– Eu disse vamos ao mar!
- Ela entende e diz – Minha mãe é quem sabe!
 O dia amanheceu lindo com o sol vermelho por trás das serras e um céu cor de anil, azul bem escuro. Algumas nuvens bem brancas espalhadas pelo céu azul. Todas as crianças, seus irmãos pequenos estavam prontos para o passeio. Até a mãe de Priscila também queria ver o mar. Finalmente ela iria esquecer um pouco o fogão de lenha e a choupana no meio da floresta. Quando chegaram finalmente ao fim da trilha, com o final da trilha surge o mar.
As crianças pequenas ficaram encantadas com o mar e uma delas correu em direção a ele. Outra ficou agarrada a saia da mãe rindo muito de alegria. E o menorzinho chorou, mas era um choro de alegria. Porque enquanto chorava também sorria. A mãe de Priscila viu quando os quatro meninos apareceram e disse.
– Lá vem os quatro meninos malvados!
Priscila responde:
– Não mãe, agora só três são malvados, o mais lindo é muito bom!
Os quatros chegaram devagar... Quando um deles se aproxima de Priscila Baterfly, então a olha por um minuto e dá um sorriso e ela também sorri para ele. Os outros três ficam de longe observando sem nada entender. Não quiseram mais a amizade daquele que se aproximou de Priscila.
Por algum tempo ficaram ali próximo ao mar mas depois foram embora. Priscila correu na beira do mar e também fez um lanche junto dos seus irmãos e do novo amigo. Ao jogar para ela uma bola feita com pano e folhas ele lhe diz:
- Ontem você não me chamou de sapo, certo?
– Mas se eu te der um beijo você se torna um príncipe! E... daquele dia em diante, realmente ela o viu como um príncipe. Mas agora ela se via sempre no lago e no mar e, quando se via no espelho da água, se via cada vez mais linda e agora tinha a companhia de raposas, coelhos e jacarés.
 Com quinze anos ela via o príncipe como um sapo novamente e vivia conversando com os três malvados que como raposas, coelhos e jacarés tinham a sua companhia.
Todos os meninos gostavam dela. Todas as meninas estiveram em sua festa.  Cada um deles levou um presente para ela. Ela era odiada pelas meninas por ser a mais bonita da floresta.
O sapo já não aparecia por um bom tempo. Por pouco tempo ele foi um príncipe para ela. Mas ela preferiu a amizade de todos em vez do amor dele somente. Quando lembrava dele só lembrava do lago verde-musgo. Dos outros meninos malvados lembrava o mar de Florzi.
Esta foi a historia de Priscila Buterfly que nasceu e viveu na floresta de Florzi. Morreu com febre aos trinta anos numa casa abandonada. Seus irmãos não quiseram saber dela porque a consideravam ingrata.
Sua mãe havia sido morta por jacarés. Priscila Baterfly morreu muito feia e por isso os meninos malvados não quiseram vê-la mais.   
                                                           Ribeiro Braz

O PERFUME DE UM ALMOÇO EM VERA CRUZ



                                                           
         Ignácio de Loyola Brandão
Andando pela ruas de Marília, cidade de Sérgio Ricardo, Dib Lufti e Oswaldo Mendes, procurei o Yara Clube na Sampaio Vidal. Ali tinha freqüentado domingueiras durante as férias nos anos 50. Freqüentar significava entrar no salão, apanhar o Cuba Libre e olhar. Olhava. Como olhei, sem avançar. Passei a adolescência e a juventude a olhar, imobilizado pela timidez e por não saber dançar, a não ser boleros, dois para lá, um para cá. Ainda que continue com uma sede esportiva fora do centro, o Yara não existe mais na Sampaio Vidal. No lugar está um restaurante popular, necessidade dos tempos que correm.
Na minha busca quis rever o Cine Marília e o Cine Bar, instituições de uma época. Esquecido de que essa época ficou meio século atrás, quando ainda existia café na região. No Cine Bar, em 1965, Edla Van Steen, com Cio; Thomaz Souto Correia, com A Morte Semi- Virgem; e eu com Depois do Sol, fizemos a primeira tarde de autógrafos da história da cidade. Naquele ano, houve um festival de cinema e Anselmo Duarte esteve lá com Vereda da Salvação, adaptado da peça de Jorge Andrade. Lançamentos com autógrafos eram coisa nova, ninguém sabia como agir. O Cine Bar lotado, gente a olhar para os autores, enquanto estes, por sua vez, contemplavam o público. Exasperante momento de hesitação e dúvida, até que Anselmo comprou um livro de cada um, pediu autógrafos, o povo compreendeu, a tarde começou.
O Cine Marília e o Cine Bar desapareceram, há um banco no lugar, símbolo de nossa civilização. Ao menos, ainda está lá o Edifício Marília, o primeiro arranha-céu da cidade. Certas noites, subíamos ao último andar, havia um restaurante chique, mas da comida não me lembro. Lembranças que se foram, Marília é uma cidade com mais de 200 mil habitantes, esparramada, ruas largas, horizontes vastos. Da janela de meu hotel, no centro, eu via os limites da cidade, curiosos grotões, como cannions, que me faziam bem à vista. Eu, a olhar! A cidade ainda não se debruçou sobre esses mini-precipícios batidos por uma claridade que fere. O céu da cidade continua o mesmo, resplandecente. O bom é que o Cine Clube está voltando às atividades e lembrei de Roberto Cimino, alfaiate valoroso (essa é a palavra) que dedicou sua vida ao Clube. Quem está procurando reativá-lo é justamente seu filho. Os festivais de cinema da cidade ficaram conhecidos e levavam famosos de São Paulo e Rio. Cimino tinha sentido de mídia, convidava também as modelos da Rhodia, superstars da mídia. Mila Moreira foi uma que vi desfilando em carro aberto pelas ruas. Nunca recuperamos tudo que ficou para trás e, muitas vezes, nem queremos, para flutuarmos na delícia do imaginário.
Por outro lado, Marília tem dona Geysa, mulher de 85 anos que me lê e queria me conhecer. Fui a ela. Doce, conversadora, lúcida, bem-humorada, tem uma tirada atrás da outra. Dessas pessoas que viveram várias épocas e são a história viva do cotidiano. Quando decidiu aceitar o pedido de casamento daquele que foi seu primeiro e único namorado, com quem se casou e viveu toda a vida, ela se definiu: "Saiba que estou vindo diretamente da fábrica ao consumidor." Existe frase melhor? Depois do primeiro beijo no cinema, encabulada, perguntou ao namorado: "Te decepcionei? Não sei beijar? Não podia saber, nunca tinha beijado, acho que fiquei de boca aberta. Se quiser me ensinar, me ensina, desde que eu seja a única." Ainda hoje, ela levanta cedo, lê jornais, livros, segue telejornais, conversa, passeia, ouve música. Certas manhãs, coloca um CD, fecha os olhos e dança com o marido em pensamento. Viver tem sabor.
Estive em Marília levado pelo Programa de Educação Tutorial, PET, das Ciências Sociais da Unesp, fiz duas falas e corri a me refugiar na cidade vizinha, Vera Cruz, a dez minutos. Lá onde nasceu Benedito Ruy Barbosa, o novelista. Queria reencontrar outros lugares de infância, como as fazendas do Juca, do Costinha, do Assis, do Ito, do Nago, dos Furtados, do Mundinho, do Costão, um português que plantava uvas e produzia vinhos, com quem me iniciei em enologia aos 14 anos. E quase terminei. Apelidos me vinham, Nhô, Tucun, estranhos, quais eram os nomes deles? De Marília, com o primo Dafnis decolávamos do aeroporto, voávamos até Vera Cruz, dando rasantes sobre as fazendas e cidades. A liberdade de voar num aviãozinho daqueles nunca mais se repetiu, os Airbus e Boeings de hoje não têm graça. Aquilo era a liberdade total, a insegurança, aventura e risco. Dali minha paixão por aviões.
Agora, o que primeiro avistei quando entrei em Vera Cruz foi a torre com a sirene que, na rua principal, no começo da noite anunciava que a sessão de cinema ia começar. As pessoas corriam, quem estava a jantar se apressava. Nina e Silvio, primos, ou primos dos primos, me receberam e convocaram parte da cidade. Tudo correu à moda antiga para comemorar a biografia de Ruth Cardoso, o aniversário de Zero, as palestras na Unesp, o dia azulado, a cidade imobilizada ao sol, como sempre foi. No entanto, daqui desta vila sai o pensar e o idealizar de uma revista chamada Café Espacial, com quadrinhos, textos, fotos, entrevistas, que estaria à vontade em São Paulo ou Nova York.
Tudo naquela tarde reascendia ao perfume quase obsceno, de tanto que provocava os desejos, de uma leitoa à pururuca com abacaxi que se derreteu na boca, carne de panela, tutu de feijão, frango com quiabo, batata doce, banana frita. O aroma das comidas foi proustiano, passado e presente, hoje e ontem, futuro, todos os tempos misturados. Vieram todos e também os mortos, lembrados aos risos, porque a maioria da família sempre foi de farpas pontiagudas, ironias e gozações, de tirar o pelo dos outros com afeto, cheios de sarcasmos e brincadeiras, respostas prontas. Tudo isso que a literatura me tem proporcionado fazendo com que eu me renove sempre, me encontre no ontem, me projete para o amanhã, correndo para o futuro. Voltei no avião com pão feito em casa e geléia de laranja, também caseira.

“O Estado de S. Paulo”

quarta-feira, 2 de maio de 2012




Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da mata.

Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:

- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?

- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.

- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.

Os olhos do homem ficaram molhados.

- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.

O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira.

- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho

Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.

A mulher ficou só olhando.

No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.

- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!

- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.

- Que foi isso, mulher?

- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?

- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.

- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!

O homem não estava entendendo nada.

- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:

- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?

A discussão fervia feito água na chaleira.

- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue mais voltar pra casa.

- Que é isso, menina?

- Aquele cafajeste arranjou outra!

- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.

- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato.

Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.

- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que eu já vi até hoje!

E completou, feliz, abraçando a filha:

- Fica tranqüila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova!

                    Conto popular recontado por Ricardo Azevedo, ilustrado por Alarcão

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme. 

- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? - perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.

                                                                  Conto publicado no livro Felicidade Clandestina, Ed. Rocco



- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer? 
- Hã?
- Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
- Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.
A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
- Todo dia, mãe?
- É, só que a gente não repara.
- Por quê?
- Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?
A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
- Você é muito ocupada, não é, mãe?
- Hã?
- Nada, não.
A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.
Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.
"Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!
Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
- Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
- Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura?
Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
- Mãe!
- O que foi?
- É que eu estava aqui pensando.
- Pensando o quê?
Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
- Vai, fala logo.
- Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
- Não, não entendi.
Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
- Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
- Ai, meu Deus!
Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.
Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
- Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?
E com um carinho:
- Foi minha mãe que me ensinou.

                                                                         Flávio Carneiro, autor deste conto


Quando perguntam como é que eu consegui sair com a Carla, eu respondo que foi por causa do Aldemir Martins. O pintor famoso. 

Eu estava, tranqüilo, estudando. Juro. Lá pelas 3 da tarde o telefone tocou. Era ela, a vizinha da casa 3.

A mãe morreu há uns quatro anos. O pai é superciumento, não a deixa satir de casa nunca.

- Oi, Rodrigo... Você tem um gato grande, malhado?

- Tenho. O nome dele é Sorvete.

- Sorvete?

- Quando a gente encosta a mão, ele se derrete todo.

- Ele briga com a minha gata, a Tati. Já aconteceu várias vezes. Acho que é ciúme.

- De outro gato?

- Não. De um quadro. Uma pintura. Do Aldemir Martins.

Dez minutos depois eu estava na sala da casa dela. Só nós dois.

- Você vai ver - ela disse.

- É sempre na mesma hora. Já ouviu falar do Aldemir Martins?

- Já. É um pintor famoso pra caramba. Mora aqui em São Paulo.

- Morava. Morreu há pouco tempo. Minha mãe era apaixonada pela pintura dele. Ele ilustrava livros, revistas, jornais... Pintava cangaceiros, galos, passarinhos, peixes...

- Tô sabendo. Desenhava até rótulos de maionese, de vinho...

- Minha mãe comprava tudo que podia. A gente comia em pratos desenhados por ele, tinha lençóis, tapetes, cortina de banheiro...

Carla me levou pra um canto da sala. Em cima de uma imitação de lareira, havia uma tela do Aldemir Martins, pequena, com o desenho de um gato. Um gato gordo, vermelho e azul, um focinho enorme, mostrando as garras, sedutor, os olhos verdes calmos, hipnóticos.

- Minha mãe adorava esse quadro.

Então ela me puxou pra trás de uma cortina pesada, que cobria a vidraça que dava pro jardim.

Tati entrou na sala. Pulou pro beiral da falsa lareira e parou em frente ao quadro, olhando pro gato pintado. Ficamos assim uns 20 minutos, escondidos, calados. Até que ele apareceu. O velho Sorvete. O gato mais descolado do pedaço. Veio gingando, passou entre os móveis, parou na frente da lareira, olhou pro alto e não gostou nada do que viu.

Carla segurou no meu braço.

Sorvete pulou pro beiral.

Briga de gato é mais rápido que videogame. Tati pulou, atravessou uma janela aberta e fugiu pro jardim, com o Sorvete atrás.

- Minha mãe dizia que um artista é capaz de recriar a vida. Se Deus existe, com certeza é um artista. Mas acho que você vai ter de trancar o Sorvete em casa, Rodrigo. Não gostei daquilo.

- Não, Carla. A gente encontra outro jeito. Pra mim as pessoas, os bichos, qualquer coisa que se mexa... têm de ter liberdade. Têm de ter uma janela aberta.

- Mas o Sorvete é meio selvagem...

- Isso. É assim que eu gosto dele. Eu também sou meio selvagem. Sabe o que eu faço? Eu como o tomate inteiro. Eu não fico esperando a minha mãe partir e colocar na salada!

Ela riu. Não sei de onde eu tirei essa história do tomate. Aí me empolguei, e ia dar mais exemplos de como eu era selvagem, mas a cortina se abriu de repente e o pai dela apareceu.

O cara ficou nervoso, quase chamou a polícia, mas depois a gente explicou, ele se arrependeu e acabou até deixando a filha sair comigo.

Eu e a Carla estamos namorando. Juro.

                                                                Conto de Ivan Jaf, ilustrado por Andrea Ebert






Coração vermelho


"Uma menina estava sozinha em casa a noite, seus pais tinham viajado e chegariam cedo no dia seguinte, ela estava amedrontada, não gostava de estar sozinha em uma casa tão grande e escura, então resolveu ligar a TV, era o noticiário, para piorar sua situação a noticia era de um procurado da policia, havia fugido da cadeia no bairro vizinho ao que ela morava, e antes de sair o fugitivo alto, barbado e com a tatuagem de um coração vermelho em seu pé, havia escrito palavras de terror na parede da cela, avisando q mataria mais pessoas pelo que ele passou na cadeia, para mostrar que toda aquela pressão na qual ele foi submetido na cadeia, não mudava nada. Desesperada a menina desligou a TV e afundou na escuridão de seu quarto, tentou relaxar, fazia de tudo para tirar aquele pensamento de que o assassino poderia esta em sua rua no momento e então, colocou o travesseiro entre as pernas como de costume, e cobriu todo o seu corpo, fechou os olhos e tentou dormir, foi quando ela ouviu um barulho da sala antes de seu quarto, entrou em pânico, e ligou a TV novamente, e após ligar, um barulho de algo caindo na sala, como se alguém tivesse se assustado. Mas como? Ela estava sozinha! Quem estava lá? O que? Eram 3 da madrugada, seus pais não iriam ter chegado, ela começou a gelar, não sabia o que fazer, ouviu passos se aproximando, seu coração estava acelerado, ela começou a tremer, vontade de chorar, tinha que ser coisa da cabeça dela, mas então os passos aumentaram, e foram chegando mais perto, ela ficou em choque, e correu para debaixo da cama, e ficou lá prendendo o choro de pânico, sua veia pulsante de medo, uma pessoa entrou no quarto dela, e foi se aproximando, ela olhou por debaixo da cama, e só conseguia ver uma mancha vermelha, em um pé.... ERA UMA TATUAGEM DE CORAÇÃO EM UM PÉ MASCULINO ELA PRENDEU A RESPIRAÇÃO, NÃO SABIA OQUEFAZER!!!!!!!
E ENTÃO O SILÊNCIO.
O HOMEM PAROU COM OS PÉS BEM PERTO DELA, AO LADO DA CAMA E FOI BAIXANDO, ATÉ QUE ELE SE AGACHANDO PARA OLHAR EM BAIXO DA CAMA, ESTAVA COM SEU ROSTO E SEUS OLHOS BEM ABERTOS ENCARANDO A MENINA QUE EM PANICO GRITOU
O grito foi ficando estranho, ficando mais perto... E ela abriu os olhos, assustada com o próprio grito, e com o travesseiro entre as pernas, coberta até a cabeça..."

por LORRANY em Ter Set 21, 2010 11:35 pm