terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Rua do Ouvidor







Joaquim Manuel de Macedo
A Rua do Ouvidor contou diversas lojas de perfumarias, e, por consequência, devia ser a rua mais cheirosa, mais perfumada entre todas as da cidade do Rio de Janeiro.
E todavia não o era!...
Com efeito não havia nem há rua mais opulenta de aromas, de perfumes, de pastilhas sudoríferas, de banhas e de pomadas de ótimo cheiro; mas tudo isso encerrado em vidrinhos, em frascos e em pequenas caixas bonitas que mantinham e mantêm a Rua do Ouvidor tão inodora como as outras de dia.
Atualmente de noite observa-se o mesmo fato.
Naquele tempo, porém, isto é, nos tempos do Demorais, e ainda depois, a Rua do Ouvidor, de fácil e reta comunicação com a praia, era uma das mais frequentadas pelos condutores dos repugnantes barris, das oito horas da noite até às dez.
A esses barris asquerosos o povo deu a denominação geralmente adotada de - tigres - pelo medo explicável que todos fugiam deles.
Esse ruim costume do passado me traz à memória informação falsa e ridícula que li, e caso infeliz e igualmente ridículo, de que fui testemunha ocular e nasal em 1839, no meu saudoso tempo de estudante.
A informação é a seguinte:
Um francês (viajante charlatão) passou pela cidade do Rio de Janeiro, e demorando-se nela alguns dias, ouviu dos patrícios da Rua do Ouvidor queixas dos incômodos tigres que frequentes passavam ali de noite. Sábio e consciencioso observador que era o viajante tomou nota do ato, e poucos anos depois publicou, no seu livro de viagens, esta famosa notícia:
“Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, feras terríveis, os tri graves, vagam, durante a noite, pelas ruas, etc., etc.!”
E é assim que escreve a história!
O caso que observei foi desastroso, mas de natureza que fez rir a todos.
Pouco depois das oito horas da noite, um inglês, trajando casaca preta e gravata branca...
Entre parêntese.
Em 1839 ainda era de uso ordinário e comum à casaca; o reinado de paletó começou depois; muitos estudantes iam às aulas de casacas, e não havia senador nem deputado que se apresentasse descascado nas respectivas Câmaras: o paletó tornou-se eminentemente parlamentar de 1845 em diante.
Fecharam-se os parênteses.
O inglês de chapéu de patente, casaca preta e gravata branca subiam pela Rua do Ouvidor, quando encontrou um negro que descia, levando à cabeça um tigre para despejá-lo no mar.
O pobre africano ainda a tempo recuou um passo, mas o inglês que não sabia recuar avançou outro; o condutor do tigre encostou-se à parede que lhe ficava à mão direita, e o inglês supondo-se desconsiderado por um negro que lhe dava passo à esquerda pronunciou a ameaçadora palavra godiem, e sem mais ter-te nem aguar-te honrou com um soco britânico a face do africano, que perdendo o equilíbrio pelo ataque e pela dor, deixou cair o tigre para diante e naturalmente de boca para baixo.
Ah! Que não sei de nojo como o conte!
O Tigre ou o barril abismou em seu bojo o chapéu e a cabeça e inundou com o seu conteúdo a casaca preta, o colete e as calças do inglês.
O negro fugiu acelerado, e a vítima de sua própria imprudência, conseguindo livrar-se do barril, que o encapelara, lançou-se a correr atrás do africano, sacudindo o chapéu em estado indizível, e bradando furioso:
— Pegue ladro! Pegue ladro!...
Mas qual - pega ladro! -: todos se arredavam de inocente e malcheiroso negro que fugia, e ainda mais o inglês, tornado tigre pela inundação que recebera.
Era geral o coro de risadas na Rua do Ouvidor.
O inglês, perdendo enfim de vista o africano, completou o caso com um remate pelo menos tão ridículo como o seu desastre. Voltando rua acima, parou em frente de numeroso grupo de gente que testemunhara a cena, e ria-se dela.
Ainda hoje o estou vendo; o inglês parou, e sempre a sacudir o chapéu olhou iroso para o grupo e disse, mas disse com orgulhosa gravidade britânica:
— Amanhã faz queixa a ministro da Inglaterra, e há de ter indenização de chapéu e de casaca perdidas.
Ah! Eu creio que então a melhor das risadas que romperam foi a minha gostosa, longa e repetida risada de estudante feliz e alegrão.
É inútil dizer que não houve questão diplomática. A Inglaterra ainda não se tinha feito representar no Brasil por Mr. Christie, o único capaz (depois do jantar) de exigir indenização do chapéu e da casaca que o patrício perdera.
Não foi este único desastre que os tigres ocasionaram, foram muitos e todos mais ou menos grotescos, e sei de um outro (além da encape lação do inglês) ocorrido na Rua do Carmo hoje Sete de Setembro, que de súbito desfez as mais doces esperanças do casamento inspirado e desejado por mútuo amor.
O namorado era estudante, meu colega e amigo; estava perdidamente apaixonado por uma viúva, viuvinha de dezoito anos, e linda como os amores.
Uma noite, a bela senhora estava à janela, e à luz de fronteiro lampião viu o namorado que, aproveitando o ponto do mais vivo clarão iluminador, lhe mostrava, levando-o ao nariz, um raminho de lindas flores, que ia enviar-lhe, quando nesse momento o cego apaixonado esbarrou com um condutor de tigre, e, embora não encapelado, foi quase tão infeliz como o inglês.
O pior do caso foi que a jovem adorada incorreu no erro quase inevitável de desatar a rir, e logo depois de fugir da janela por causa do mau cheiro de que se encheu a rua.
O namorado ressentiu-se do rir impiedoso da sua esperançosa e querida noiva; amoroso, porém, como estava, dois dias depois tornou a passar diante das queridas janelas.
No erro; a formosa viúva, ao ver o estudante, saudou-o doce, ternamente, mas levou o lenço a boca para dissimular o riso lembrador de ridículo infortúnio.
O estudante deu então solene cavaco, e não apareceu mais à bela viuvinha.
Um tigre matou aquele amor.    (  Memórias da Rua do Ouvidor. Rio de Janeiro: Perseverança, 1878.)

5 comentários:

  1. Eu entendi que a viúva perdeu o seu grande amor que era o que morreu por um tigre e a viúva ficou muito tristi com isso ela perdeu o seu grande amor.
    ANA LUCIA 6°c

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    1. EU ENTENDI que essa história fala sobre um negro que estava carregando uma cabeça de tigre e que não saiu do caminho de um INGLÉS e levou um soco na cara injustamente,eu acho que isso foi errado,só por que ele era negro não queria dizer que ele ere diferente por que todos somos iguais.

      AURILENE DA SILVA SANTOS

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  2. geovana carvalho dos santos29 de novembro de 2013 às 05:06

    Eu achei o texto uma injustiça pois esse racismo um dia ten que acabar. negros,brancos,gordos(a),ou mesmo magros(a).Somos todos iguais nao tem diferença nenhuma todos nós somos amados por Deus do mesmo jeito a unica diferença e que nao somos frutos do mesmo pai e da mesma mãe gente vamos parar com essa bobeira antes que ocorra algu muito sério.
    Geovana carvalho dos santos
    "9 ano B"

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