sábado, 26 de março de 2011




Se eu morrer amanhã 
Se eu morrer amanhã,

Pedirei apenas uma coisa:

Que possa, mesmo que por um instante,

Olhar para trás.

Certamente, rirei de minha inocência
Enquanto fui criança.

E logo depois chorarei,

Sofrendo terrivelmente

Por tê-la perdido.


Me divertirei com tolas preocupações

Que afligiram a minha adolescência.

E sentirei um desejo aterrador

De viver isso novamente.

Para fazer tudo igual,

Embora diferente.
Se eu morrer amanhã,
Verei que amava minha vida
E minha família

Muito mais do que imaginava.
E me arrependerei amargamente

De não ter gritado isso aos quatro ventos.


Me arrependerei tanto...

De projetos maravilhosos que nunca foram realizados.

De sentimentos raros que não foram revelados.

E de todo tempo gasto diante da televisão.

Me arrependerei de não ter ido aos lugares que quis,

De não ter provado todos os sabores,

E de não ter beijado todas a bocas que desejei.

Se eu morrer amanhã,

Sentirei falta de coisas que não me pareciam tão importantes.

Sentirei falta da chuva,
E do cheiro que deixava na terra.
Sentirei falta do barulho do mar,

E do sol.
Sentirei muita falta do sol

E de todos os crepúsculos que eu não vi.


Sentirei falta de absolutamente tudo.

Ate mesmo do que nunca me importou.

E sofrerei com uma imensa angustia

Que me fará buscar com desespero

Coisas boas,

Das quais não irei me arrepender.
Então lembrarei de todos os meus amigos,

E de todas as pessoas que me surpreenderam.

E também das que me decepcionaram,

E das que me perdoaram.

E lembrarei das poucas vezes em que me senti feliz

Sem qualquer motivo especial para isso.

E das vezes em que me permiti errar

E acertei.

Se eu morrer amanhã,

Tentarei achar em minha vida

Um sentido filosófico

E uma beleza poética.

E conseguirei.

E daí me deixarei aquietar,

E sentirei a paz que todos buscam.

E um sentimento de profunda gratidão

Por ter apenas vivido.

Como todas as pessoas,

Mas não como qualquer pessoa.
Se eu morrer amanhã,

Pedirei, mesmo sabendo que em vão,

Para voltar.

E ai viver intensamente,

E fazer tudo o que desejar.

Sabendo usar o tempo

Que eu nunca soube usar.

E ver tudo de outra maneira,

Com uma alma  serena

E um coração muito mais quente.

Que seria como tudo em minha vida.

Que não seria nada morna, nem nada cinza.

E que não teria nem um minuto que não fosse de extrema felicidade,
E de plena consciência.
Se eu morrer amanhã,

Viverei todos os momentos de minha vida

Em poucos instantes.
E ai então, entenderei tudo.

E rirei de mim mesma,

E de minhas esperanças,

E de minhas aflições.

Pois deitara sobre mim uma sabedoria plena,

E então eu saberei

Que disso tudo eu sempre soube.

E que se não fosse morrer amanhã,

Nada mudaria.

Embora saiba que a vida

Um dia
Realmente acaba.


* * *
         Caroline Dienstmann

segunda-feira, 21 de março de 2011



A Águia e a tartaruga


Ao sopé de uma gigantesca montanha, confabulando amistosamente, estavam a Águia e a Tartaruga. Falavam sobre superar limites, e atingir objetivos. A Águia, poderosa rainha dos ares, dizia não haver lugares inatingíveis, e nem metas que não pudesse alcançar. A envergadura de suas asas permitia que fosse a qualquer lugar. Era soberana e tinha a segurança que apenas tem, quem sabe do seu real potencial.


A meiga Tartaruga, a quem a paciência já havia ensinado grandes lições, falava sem pressa. Contava sobre pequenos detalhes, que, ao longo de sua caminhada, haviam entrado pelos seus olhos, e marcado seu coração..-A Águia, sempre sedenta por aventuras, propôs um desafio à Tartaruga. Subiriam a montanha, para lá do alto, ver o mar. Queria mostrar para sua amiga, o tamanho real do mundo. O horizonte visto do alto, era de uma beleza ímpar. Empolgada, descreveu o aprendizado que sua alma faminta, já assimilara. A Tartaruga, conhecendo a velocidade de seus passos, soube que este desafio muito lhe custaria. Talvez a metade de sua existência. Mas, queria ver o que havia lá no alto.


Olharam-se, sorridentes, e começaram sua aventura. O farfalhar das asas da Águia, ergueu poeira, e em instantes, sumiu das vistas da Tartaruga. E esta, movendo-se no ritmo que lhe fora conferido pela vida, foi subindo lentamente. Seu corpanzil pesado tinha muita dificuldade para se mover naquele terreno irregular. Durante o trajeto, muitas vezes tropeçava na falta de experiência, e rolava morro abaixo. Mas, depois de se refazer, recomeçava a caminhada. A trilha era estreita, e muitas vezes, ela parava para Dar passagem a outros animais, que subiam ou desciam, e sempre gentil, oferecia-lhes seu sorriso.


Alimentava-se da vasta vegetação, e seu paladar provou novos sabores. Alguns amargos, mas outros absurdamente tenros e macios. Olhando ao redor, para não perder nenhum detalhe, deu-se conta de que havia flores, ornamentando o caminho, e estas, com seu perfume, derramavam alento, dentro de seu coração.Enquanto a Tartaruga se empenhava em subir, tomando muito cuidado com as quedas, a Águia, há muito já alcançara o topo. Aliás, não demorara quase nada, e agora, no alto de uma frondosa árvore, se perguntava quanto tempo levaria a Tartaruga, para vir a ter com ela.


Esperou dias e noites. E aquela paisagem, sempre encantadora, foi tornando-se cansativa, e ela ansiou por sair dali. Precisava alçar vôo, traçar novas metas. Tinha sido tão fácil chegar, e agora se perguntava porque incentivara a pobre Tartaruga a subir. Não seria possível esperar por ela. A vida se agitava dentro das suas veias, e estagnar significava matar seu espírito. Morreria, se ficasse. Precisava estar em constante movimento, para que suas asas não atrofiassem. Olhou para baixo, e nem sinal da Tartaruga. Então, seu piado forte, cortou o silêncio, enquanto ela cortava o céu, e voou dali.


Anos mais tarde, completamente exaurida, chegou a Tartaruga ao topo. Durante este tempo todo, enquanto caminhava, e quando o cansaço minava as suas forças, era nas palavras da Águia que ela pensava. Veria algo novo. Veria um novo mundo. E este pensamento foi seu alimento. A cada vez que quase sucumbia, tentava visualizar aquele horizonte, descrito pela Águia, e então, cantarolante, começava tudo outra vez.


Seus passos eram constantes. A subida não lhe conferira uma nova velocidade. Muitas vezes, havia sido muito duro, olhar para o alto, e ver o quanto ainda faltava. Então, ela olhava para os lados. E olhava atrás de si. E, orgulhosa constatava que, mesmo que morresse ali, que jamais atingisse seu objetivo, jamais em sua vida, havia feito algo igual.


Faltava pouco agora, para que conhecesse um mundo novo. Mais alguns arbustos e estaria no topo da montanha. Seu coração batia apressado, seu corpo tremia de ansiedade e excitação. Então, a cortina se abriu. Tudo o que vivera até então, não se comparava ao que estava sentindo. Lá estava o horizonte se encontrando com o mar gigante. Ambos se tocavam, numa suave carícia, e o Sol, nascia da união dos dois. Vinha saindo, todo matreiro, de dentro do mar, e erguia-se sobre a Terra.


Nesta hora, duas lágrimas suaves, brotaram nos olhos da Tartaruga. Mentalmente agradeceu à Águia, pelo incentivo que lhe dera. Sabia que não a encontraria ali. Sempre soubera. A Águia plantara dentro dela, um par de asas gigantes. Apostara em sua persistência, e graças a ela, a Tartaruga se tornara única, entre todas as Tartarugas. Com um suspiro emocionado, recolheu-se dentro de seu casco, e dormiu serenamente.

 

 

Qual Milho de Pipoca você é? A transformação do milho duro em pipoca macia é simbolo da grande transformação por que devem passar as pessoas para que elas venham a ser o que devem ser.
O milho de pipoca não é o que deve ser.
Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.
O milho de pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer.
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com gente. As grandes transformaçoes acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.
São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só elas não percebem. Acham que é o seu jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor.
Pode ser o fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder o emprego, ficar pobre.
Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimentos cujas causas ignoramos.
Há sempre o recurso do remédio. Apagar o fogo. Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pensa que a sua hora chegou: vai morrer.
Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.
Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece:
Bum!
E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado.
Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisas mais maravilhosas do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. O destino delas é triste. Ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca e macia. Não vão dar alegria a ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada.
Seu destino é o lixo.
E você o que é?
Uma pipoca estourada ou um piruá? 

 Rubem Alves

terça-feira, 15 de março de 2011


A VIDA É O TREM QUE PASSA
 
Marillena S. Ribeiro
 


A vida é o trem que passa
Os sonhos são vagões
O amor é o maquinista
Somos nós, a estação!

Adquira seu bilhete, faça sua escolha
O trem vai seguindo continuadamente
Em cada vagão, o desejo de sua mente
...há também tristezas, desilusões
Com a passagem na mão, escolha!

A viagem, se longa não sabemos
A bagagem é cada dia vivenciada
Mudar o rumo, podemos
Sem mesmo saber da parada

A estação nunca pode estar vazia
Será sempre um passeio viver
Se sentar na janela, aprecie
Tudo é passagem, algo pode reter

Cada dia que passa é contagem regressiva
Viaje como se cada instante fosse único
Cada olhar como se fosse o último

Respire fundo, o caminho é longo
Encontrará adversidades
...tristezas
...saudades
...abismos
...retas
.curvas
inúmeras serão as vezes
que não veremos o que há além da curva
Mas o percurso seguirá sonhando

A vida é uma viagem
Somos mutantes
Somos passageiros
Somos nuvens
Somos fumaça

Por não saber decifrar o mapa da vida
Algumas vezes nos  perderemos no trajeto
Mas, para quem sonha, nada é impossível
nunca se perde, sempre se encontra

Escute, ouça, é o apito de mais uma partida
Poderá estar partindo para novos lugares
sem roteiros
sem destino
sem poente ou nascente
A direção é para a felicidade
Conduzirá e será conduzido
O maquinista sempre atento
na história, na vida

De tudo que viver, uma coisa é certa:
Não se canse da viagem, prossiga
Lute, grite, implore
Mas não desista
...se cansar, acene, sorria
O maquinista não te deixará
Não hesite, não tema
Onde parar, um coração
certamente o acalentará

A viagem prossegue
...e sabendo onde quer ir
Vá seguro, você consegue
Sabendo sempre que vai valente...
sua viagem será eternamente...
no vagão de primeira classe.

sábado, 5 de março de 2011


Brasileiros preferem floresta em pé
Ricardo Young
Brasileiros preferem floresta em pé. Pelo menos é o que aponta pesquisa encomendada pela ONG Amigos da Terra ao Instituto Datafolha. De acordo com levantamento, 94% dos entrevistados querem o fim do desmatamento na Amazônia, mesmo que isso implique brecar a produção agropecuária (e, possivelmente, com isso aumentar os preços dos produtos derivados da atividade). A pesquisa denominada “A Visão da População Brasileira sobre Desmatamento” levou em conta uma amostra de 2.055 pessoas, com margem de erro de 2%. Portanto, não é exagero concluir que já é consenso nacional que parar o desmatamento é entendido como prioridade nacional e não encontra restrição nem mesmo na possibilidade de aumento de preço por diminuição da atividade agropecuária. O desmatamento zero é a opção da maioria, independente de renda, escolaridade, gênero, idade e classificação econômica. A porcentagem mínima de aprovação ao fim do desmatamento foi de 89%, entre aqueles com mais de 50 anos, ou 90%, entre a classe D; a maior, 98%, entre as pessoas abaixo de 50 anos nas classes A/B.
Outro dado importante e que consta da pesquisa “A Visão da População Brasileira sobre Certificação Florestal e Agropecuária”, também da Amigos da Terra/ Datafolha, é que, se pudessem adquirir um produto florestal, 81% prefeririam adquirir um produto certificado, mesmo que o preço seja maior.
Estes estudos mostram que houve uma evolução positiva do conhecimento da população brasileira a respeito dos temas da Amazônia, inclusive certificação, algo mais complexo. Em 2006, quando foi feita a primeira sondagem a respeito dos temas, 1% dos entrevistados conhecia o FSC (Forest Stewardship Council), principal selo de certificação para produtos florestais. Hoje, entre 20 e 22% conhecem a organização e o selo.
Em suma, baseando-se nestas pesquisas, podemos afirmar que a população brasileira quer o fim do desmatamento para evitar os custos dos desastres ambientais. Mostra-se favorável a leis mais rígidas para punir os infratores e está disposta até mesmo a pagar mais pelos produtos.
Estes dados me fazem refletir sobre o atual estágio da gestão socialmente responsável no Brasil. Em que pesem as práticas avançadas de um grupo importante de empresas, de um modo geral elas, empresas, estão fazendo menos do que a sociedade delas espera. As práticas poderiam estar mais disseminadas pelas cadeias produtivas e os impactos delas no mercado, mais perceptíveis. Evidente que o Estado tem um importante papel a cumprir, na indução, na fiscalização e na punição também. Mas o empresariado pode fazer a sua parte — que não é pequena — sem aguardar pelo aparelho institucional. Como? Uma das maneiras é comprometendo-se com iniciativas como os compromissos empresariais de controle das cadeias da soja, da madeira e da carne. Estes compromissos foram articulados pelo “Fórum Amazônia Sustentável” e o “Movimento Nossa São Paulo”, durante o seminário “Conexões Sustentáveis: São Paulo — Amazônia”, realizado na capital paulista em outubro do ano passado. O evento reuniu empresários, representantes da sociedade civil e poder público para alertar sobre as responsabilidades e o papel de cada setor na preservação da floresta amazônica. Um estudo realizado pela ONG “Repórter Brasil” e pela “Papel Social Comunicação” revelou que 90% dos produtos ilegais da Amazônia são comercializados na cidade de São Paulo. Sem a participação efetiva das empresas, monitorando a cadeia de valor e não comprando produtos de origem desconhecida, fica praticamente impossível identificar e punir os infratores.
A destruição da Amazônia está fortemente relacionada à economia de mercado. Madeireiras, frigoríficos e agroindústrias se beneficiam desta tragédia ambiental, porque podem comprar, a preços irrisórios, direto de fornecedores que estão na linha de frente do desmatamento e do trabalho escravo. Posteriormente, distribuem estes produtos a uma ampla rede de compradores. Quando as empresas, principalmente as “âncoras” de importantes setores econômicos, entram para valer nesta briga, o impacto positivo é quase imediato. O melhor exemplo é o que vem acontecendo na cadeia da carne. As três maiores redes de supermercados do país realizam um trabalho sério de monitoramento e orientação de seus fornecedores de carne, num processo que chega até a ponta do sistema, a fazenda. O trabalho começou em 2005, quando estas redes assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, articulado pelo Instituto Ethos e OIT — Organização Internacional do Trabalho, entre outras entidades. Em quase quatro anos de monitoramento e orientação, não só a carne que chega ao consumidor tem origem garantida e mais qualidade, como os próprios produtores aprenderam a conduzir seus negócios de maneira diferente. Comprovaram que respeitar as leis trabalhistas, não desmatar e gerenciar os impactos socioambientais traz mais oportunidades de ganhar dinheiro, pois passaram a vender para outros clientes, inclusive fora do país.
O que as demais empresas aguardam para começar a aderir a compromisso semelhante? O consumidor brasileiro apoia e a cidadania agradece.





Fumante não é excluído. É vítima
Jussara Fiterman
Muito me surpreendeu o artigo publicado na edição de 14 de outubro, de autoria de um estudante de Jornalismo que compara a legislação antifumo ao nazismo, considerando-a um ataque à privacidade humana. Esta comparação demonstra um completo desconhecimento do que foi o Holocausto e das atrocidades infligidas pelos nazistas. Além disto, em poucas linhas o jovem estudante vai contra pesquisadores, cientistas, médicos e cidadãos do mundo inteiro que lutam incessantemente para evitar as mais de 5 milhões de mortes ao ano relacionadas ao tabagismo. Número este que deve crescer para 8 milhões em 2030, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Ao contrário do que afirma o artigo, os fumantes têm, sim, sua privacidade preservada. Lamentavelmente para eles, têm o direito de consumir o único produto legal que causa a morte da metade de seus usuários regulares. Para isso, só precisam respeitar o mesmo direito à privacidade dos não fumantes, não impondo a eles que respirem as mesmas substâncias que optam por inalar, e que em alguns casos saem da ponta do cigarro em concentrações ainda maiores.
A lei, no entanto, vai além: busca proteger este indivíduo. Para se ter uma ideia, na Itália, em 2005, um ano após o banimento do tabaco de locais públicos, um estudo revelou que a frequência do tabagismo caiu 4% nos homens, as vendas de cigarros diminuíram 5,5% e o número de infartos foi reduzido em 11% nas pessoas com idade entre 35 e 64 anos.
Somente este último dado, se transportado para a realidade no Brasil, equivaleria a 5 mil casos de infarto do miocárdio evitados em um ano. E se nenhum desses dados pode convencer o jovem autor do artigo de que os malefícios do cigarro não são apenas alegações, mas resultados de pesquisas, que tal saber que 90% dos pacientes com câncer no pulmão são fumantes?
Por fim, às vésperas do Dia do Médico, em 18 de outubro, gostaria de parabenizar os quase 300 mil profissionais brasileiros destacando um estudo realizado em 2005, por importante instituto de pesquisa. “Confiança nas Instituições” apresentou os médicos com um índice de 81% de confiabilidade pela população, superando Igreja Católica (71%) e Forças Armadas (69%), além de jornais, rádios, televisão, engenheiros, publicitários, advogados e tantos outros igualmente importantes para o desenvolvimento da nação. Portanto, antes de conferir aos médicos uma “habitual incapacidade de curar doenças”, como faz o caro estudante, aconselho-o a informar-se, ler, pesquisar e atualizar-se.
Nossa posição não é contra o fumante — para nós, uma vítima fisgada ainda na juventude pela indústria do tabaco em suas ardilosas, agressivas e enganosas propagandas —, mas contra o tabaco, pois também conhecemos a fundo os danos que provocam nos pulmões de suas vítimas, muitas das quais assistimos.
Ao suposto direito individual “para fumar” que postulam algumas organizações, há em contraposição um direito fundamental de “não fumar”, que apenas se manifesta no âmbito das liberdades reais quando o Estado intervém no domínio econômico, para restringir o nocivo efeito da publicidade e da influência da indústria sobre o indivíduo.
A saúde é nosso bem mais precioso e, para nós, médicos, é também um objetivo de vida, de luta e superação.
Zero Hora, 18/10/2009.




O que é essencial para todos?
Gustavo Barreto
“O homem é essencialmente um ser de cultura”, argumenta o professor Denys Cuche, da Universidade Paris V. A cultura é um campo do conhecimento humano que nos permite pensar a diferença, o outro e dar um fim às explicações naturalizantes dos comportamentos humanos. As questões étnica, nacional e de gênero, por exemplo, não podem em hipótese alguma ser observadas em seu “estado bruto”. É o caso da relação homem-mulher, cujas implicações culturais são mais importantes do que as explicações biológicas.
E por que se faz importante fazer esta breve introdução, na questão da ideia do Vale-Cultura, lançada pelo Governo Federal e atualmente em discussão com os atores sociais da área? Porque urge que nossa legislação passe por uma transformação, dado que a principal lei do setor está defasada (é de 1991) e é insuficiente para os desafios atualmente expostos.
O conceito de “cultura” é tão reivindicado quanto controverso. Ouvimos esta palavra diariamente, para os mais diversos usos: cultura política, cultura religiosa, cultura empresarial. Também serve para complexificar e ampliar um debate sobre um tema difícil (“isso é cultural”), para finalizá-lo (“não tem jeito, isso é cultural”) ou gerar preconceito contra um grupo social (“o povo não tem cultura”). São múltiplos os usos.
Está claro que incentivar as manifestações culturais de um povo é condição indispensável para seu desenvolvimento. É certo que este instrumento deve atingir um de seus principais objetivos: a desconcentração regional e a democratização do acesso a produtos culturais. A simples injeção de R$ 600 milhões por mês no mercado cultural, podendo atingir até 12 milhões de brasileiros, já é um grande benefício.
O curioso na iniciativa do Governo, que já tramitava no Congresso desde 2006, é a questão tardiamente (e fatalmente) gerada para reflexão: o que é essencial para todos? Se o trabalhador possui o Vale-Transporte e o Vale-Alimentação, por que não o Vale-Cultura? Este debate — e o debate é justamente este — gera reações ainda mais curiosas.
A mais risível é a que ataca a proposta como “dirigista”, afirmando que o tempo do dirigismo cultural já acabou em todo o mundo. Uma simplificação melancólica e uma inverdade: governos de países que alcançaram bons índices de desenvolvimento humano investem muito mais na cultura do que o Brasil. Os ataques têm nome: são os mesmos que falam em “alta cultura” e compõem as velhas oligarquias deste setor, pois concentraram por muito tempo a exclusividade dos “negócios” da cultura. Alguns chegam a duvidar da “qualidade estética” dos produtos culturais a serem consumidos.
Estão claros os inimigos deste discurso conservador: o trabalhador, que passa a ser progressivamente um crítico de cultura, e as manifestações da cultura popular — ora atacada, por exemplo, por meio da restrição à cultura do funk carioca.
A aprovação do Vale-Cultura será um passo importante, dentro de uma longa caminhada, para a inserção de milhões de brasileiros no universo privilegiado da cultura local, regional e nacional.
Jornal do Brasil, 18/7/2009; site jornalístico Fazendo Média (www.fazendomedia.com/?p=268), 26/7/2009.
Gustavo Barreto é produtor cultural no Rio de Janeiro e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura na UFRJ.


terça-feira, 1 de março de 2011

O cajueiro
Rubem Braga
O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro atrás da casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.
Eu me lembro do outro cajueiro que era menor e morreu há muito tempo. Eu me lembro dos pés de pinha, do cajá-manga, da grande touceira de espadas-de-são-jorge (que nós chamávamos simplesmente “tala”) e da alta saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude. Lembro-me da tamareira, e de tantos arbustos e folhagens coloridas, lembro-me da parreira que cobria o caramanchão, e dos canteiros de flores humildes, “beijos”, violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de fruta-pão ao lado da casa e o imenso cajueiro lá no alto eram como árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo ia aprendendo o jeito de seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor para apoiar o pé e subir pelo cajueiro acima, ver de lá o telhado das casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa da tarde.
No último verão ainda o vi; estava como sempre carregado de frutos amarelos, trêmulo de sanhaços. Chovera: mas assim mesmo fiz questão de que Carybé subisse o morro para vê-lo de perto, como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito querido.
A carta de minha irmã mais moça diz que ele caiu numa tarde de ventania, num fragor tremendo pela ribanceira; e caiu meio de lado, como se não quisesse quebrar o telhado de nossa velha casa.
Diz que passou o dia abatida, pensando em nossa mãe, em nosso pai, em nossos irmãos que já morreram. Diz que seus filhos pequenos se assustaram; mas foram brincar nos galhos tombados.
Foi agora, em fins de setembro. Estava carregado de flores.
Setembro, 1954.
Cem crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1956.